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[CO] Maquinações Áridas Contra o Tempo
Seg Set 28, 2020 11:29 am
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Re: [CO] Maquinações Áridas Contra o Tempo
Seg Set 28, 2020 3:30 pm
Talvez fosse uma maneira de lidar com seu luto.
O ser composto por uma coloração azul puramente translúcida encontrava-se no centro do ambiente. Do topo, algumas frestas abertas na construção erguida em basalto, granito e ouro cediam espaço à luz que invadia como longas mãos rasgando a escuridão em sulcos iluminados responsáveis por expor algumas partículas de areia e pó cujo bailavam pelo ar. O turbante branco na cabeça da criatura também era transponível pela minguada claridade do âmbito, sendo possível vislumbrar parcela do ambiente disponível atrás de sua imagem bem como o restante de si.
Na parte inferior, a ausência de membros completos e muito menos pés. Havia uma espécie de dispersão de figura, tornando-se invisível conforme chegava ao final do corpo: ele sequer tocava o chão, mantendo-se erguido sobre alguns centímetros como por pernas-de-pau invisíveis.
O ser pode ser facilmente descrito como corpulento, de ombros largos e vestimentas extremamente nobres em tecidos que alternavam-se nas cores quentes como o casamento exuberante entre decomposições do dourado aproximando-se de um vermelho. Os rubis adornados jaziam em ombreiras avantajadas de cetim, responsáveis por deslizarem fragilmente como longas caudas de peixes sobre as costas. Numa fração de segundos, as jóias rubras tilintaram quando um foco de luz vindo por uma das pequenas fissuras na estrutura do âmbito a alcançou em sua dispersão.
— Eles não entendem a dor de sua perda, nunca entenderiam o que de fato procuro, muito menos o preço a ser pago.
A percepção do salão foi ampliando-se aos poucos. Havia uma espécie de altar no centro, perto do ser azul, com quatro enormes pilares dourados que erguiam-se até o teto. Mais ao redor, encontravam-se alguns jarros, decorações visivelmente remetentes à cultura do lugar, como por exemplo, típicos sarcófagos enfileirados no interior de lacunas em paredes largas e repletas de hieróglifos que contavam histórias sobre a construção do templo.
O ser demonstrou uma feição cansada assim que um daqueles feixes luminosos invasor ganhou a pele azul translúcida de seu rosto: rugas, olheiras e pupilas extremamente dilatadas compunham sua face. Lentamente, dirigiu-se à galeria de sarcófagos encostados nas paredes e visualizou-os minuciosamente, detalhe por detalhe.
Haviam hieróglifos dos mais diversos em cada um deles, contando histórias, superstições e lendas okhérisas.
Passou por um deles contemplado numa pintura responsável por simbolizar uma ave de penas exuberantes, quatro asas erguiam-se de suas costas com imponência enquanto um semblante equilibrado entre o orgulho e a sabedoria estavam impostos na sua face. O caixão recebeu um toque daquelas mãos calejadas e estremeceu por completo enquanto um fio de mana transpassava-se ao longo de toda sua estrutura, como um sistema sendo ativado via magia.
O próximo demorou a ser escolhido. Após mais de vinte sarcófagos, o selecionado tratava-se de um decorado com visíveis traços femininos humanóides. A figura feminina era envolta por cabelos negros que agiam com proteção de olhares indevidos. Além disso, havia um alicerce emocional na maneira como erguia ambas as mãos de forma santificada sobre o peito, denotando um coração dourado no meio das duas, um sinal de guarnição ao seu interior e, da mesma maneira, passando tranquilidade a quem observa.
Seguindo aos próximos, ele teve que ir para a parede oposta.
Seu foco foi o sarcófago de uma imagem humana polarizada em opostos visivelmente conflituosos: de um lado, a plenitude e certeza de virtudes que guiavam para um caminho mergulhado em benevolências. No outro, chamas envolviam a figura como se nascessem de seu próprio corpo, expressando o julgamento, a perdição e, acima de tudo, princípios guiados apenas por sentimentos enraizados em sentimentos regidos por tudo o que traz malefício a si próprio e aos demais. Ao encostar sua palma sobre o objeto, sua mana fluiu encantando-o da mesma forma.
Por último, dirigiu-se a um daqueles jarros de argila e ouro. Com um singelo toque, iluminou-o em linhas e hieróglifos que traziam a imagem felina de maneira orgulhosa, alimentando o ego com uma feição de realeza que passava longe de qualquer realidade estabelecida. A ambição expressava-se facilmente em seus pequenos olhos profundos, as escrituras contavam algumas pequenas canções envolvendo jogos de palavras entre gatos, curiosidades e decisões que podem levar a labirintos mentais.
Com os quatro selecionados, ele bateu suas palmas, fazendo com que o som ecoasse por todo o âmbito facilmente.
As portas do sarcófago abriram-se no mesmo instante. Descolaram-se de suas estruturas com um rangido sinistro, levantando uma espessa camada de poeira e cinzas responsáveis por formar pequenas nuvens acinzentadas que pairavam agora pelo ar. O homem observou as criações saírem de seus antigos lares, envoltos em faixas e remendados com membros que não encaixavam-se perfeitamente em seus corpos, desfigurações tão profundas que sequer faziam sentido na imagem estabelecida.
O jarro, diferentemente dos demais, sequer precisou da mesma mecânica. A cabeça de um felino amalgamada em detalhes de ratos e olhos humanos levantou-se com remendos como se buscasse por oxigênio. Os hieróglifos e pinturas ganhavam cada vez mais destaques nas tumbas violadas, brilhando em uma coloração esbranquiçada conforme os novos personagens juntavam-se à cena sobre o palco saturado de horrores. A figura repleta de ataduras que saíra de seu sarcófago representado pela humana possuía braços virados para trás, um pescoço que pendia por uma estreita ligação de nervos bem como carne necrosada e um enorme rombo em seu peito. Enquanto isso, o humano homem lutava para que suas duas partes não fossem descosturadas à medida em que as faixas centrais demonstravam lentamente ceder e rasgar.
— Estarão prontos em questão de semanas. Primeiro de tudo, lembrem-se de seus nomes e só então seguiremos para os próximos passos — não foi como se obtivesse respostas. As aberrações soltaram alguns grunhidos de confusão e, especificamente a ave, percebeu que não conseguia abrir suas asas sem que uma parte de seus ombros se deslocasse junto. — Esse é apenas o começo de uma longa jornada.
O ser de azul translúcido levou suas mãos ao turbante no topo da cabeça.
Com certa facilidade, buscou um objeto de bico longo e base curta feito em ouro puro. Haviam diversas inscrições em seu interior, hieróglifos que mudavam de formas e significados apenas ao entrar em contato com sua mana, revelando novos fatos, novas conjunções mágicas e abrindo infinitas portas de possibilidades para seu uso. Com certo desdém, observou as aberrações envoltas em ataduras diante de seus olhos e esfregou a palma de sua mão contra a superfície metálica da lâmpada que, imediatamente, acendeu-se num dourado ofuscante.
O item foi apontado a cada um dos quatro. Sem dificuldades, transformou o que anteriormente tratavam-se de existências deformadas em sopros de energia que foram sugados imediatamente para o seu interior. Como um mestre de culinária que espera toda a sua montagem cronológica de pratos cozinhar com suas táticas experientes, o ser observou a lâmpada em suas mãos estremecer levemente antes de colocá-la com sutileza sobre o altar no centro de todo o âmbito. Um pequeno sorriso nasceu em seus lábios grossos de coloração anil, denotando a vitória que aquele momento significava.
O Aarakroca manteve-se sobre o telhado de argila com suas asas retesadas. Em seu encalce, mais aviários aproximavam-se com certa sutileza por sobre os conjuntos residenciais. No céu, as constelações traziam um universo inteiro de infinidades que lembrava ao líder da gangue realidades que nunca tinha presenciado. Desde sua infância, perdeu-se entre as profundas adversidades em Okhemeq, tendo que lidar com a violência e selvageria desde a juventude para que conseguisse se adaptar e, acima disso, sobreviver à sua própria maneira. Houve uma figura que guiou-o pelo lado certo, fazendo-o repensar seus ideais, encontrar-se à sua própria maneira, ler toda a Kemet de uma maneira totalmente diferente.
Contudo, numa excursão às areias desheretianas, viu-se entre a oportunidade de fugir ou permanecer e perecer junto de seu aliado.
Katiwk jamais esqueceria do dia em que teve de deixar aquele que guiara-o pelo caminho certo ser levado pelas areias selvagens e suas criaturas de maneira tão voraz. Embora ainda sentisse parcela de culpa, sabia que seu luto era apenas seu, uma vez que, de certa forma, ninguém mais possuía lembranças de Zuqiek. Sofrendo pela perda de maneira silenciosa, encontrou conforto nas noites da Kemet, agrupando-se com seguidores que pouco importavam-se com as questões religiosas e morais de Okhemeq, realizando saques em residências de Tjatis.
— Você tem certeza de que não tem armadilhas dessa vez? — Abadi, um dos Kenku mais leais a Katiwk, interrogou mais atrás. Como sempre, tecendo perguntas, expondo dúvidas e racionalizando consequências que podem vir a enfrentar por atos impensados.
— Tsc, você acha que o Máscara da Maldição comete erros? — Alhmet, um outro Aarakroca com traços de falcão e penas rubras interceptou. Sempre cego por sua lealdade, tentando provar-se superior aos demais: destacando-se pela força bruta e não por palavras ou raciocínio próprio.
De alguma forma, aquele senso de liderança e coletividade despertou algumas estranhas memórias — novamente delírios que falavam sobre terras antigas já visitadas, cumes terrosos envoltos em mata e grande quantidade de água. Teve que concentrar-se para espalhar aquelas perdições: sabia que qualquer ideia contrária tal como essas meras ilusões seria vista como sinônimo de alguma doença proveniente das areias desheretianas: algo análogo a miragens causadas pela longa exposição ao sol e temores terríveis advindos do exterior.
Envoltos pelo véu da noite, eles reposicionaram-se e dividiram-se em dois grupos com as ordens de Katiwk. Um total de oito: mais três seguiram-no pela direita, contornando uma estrutura faraônica envolta em pilares que sucediam-se num telhado-pirâmide. Os demais, formados por Kenkus e outros Aarakrocas que não possuíam a habilidade de vôo, escalaram telhados de granito mais altos até que finalmente encontrassem-se no final daquele conjunto residencial. Foi o Máscara da Maldição quem vislumbrou primeiro, de longe, o conjunto de palácios nobres referente aos Tjatis. Suspirou profundamente sentindo o sabor do triunfo ao perceber que os guardas já estavam caídos numa magia de contrafação: sonolentos e zonzos, não haviam sido páreos para as habilidades de Abadi.
No primeiro sussurro inesperado ouvido, reconheceu o som característico de ossos quebrando-se num único solavanco vindo debaixo — um sinal de que Alhmet conseguiu deter aqueles que lutaram contra o sono.
O palácio Bastte erguia-se em arquiteturas extremamente nobres, com ouro talhado em paredes, contando com a ausência de hieróglifos que davam espaço a jóias cravejadas como largas placas de jade cujo combinavam perfeitamente com os tons arenosos advindos de basalto e xisto, componentes quase que totalitários de toda sua estrutura. Com um sinal de suas garras, o grupo dividiu-se em quatro duplas. As duas primeiras separaram-se entre direita e esquerda, enquanto a terceira rumou para o térreo. Katiwk e Alhmet alçaram vôo, chegando à parte superior da grande arquitetura com extrema facilidade: as grandes decorações ovais tratavam-se de pura esmeralda forjada de maneira muito específica em formatos felinos.
Alhmet apontou para o ponto cego em meio aos construtos de esmeralda e jade. Havia uma entrada de tamanho perfeito para que Katiwk entrasse.
A decisão deveria ser feita em questão de segundos: mesmo de longe, conseguiu ouvir os pios do restante de seu bando que representavam urgência. Pelo visto, algo havia dado errado, mesmo tudo sendo arquitetado de maneira tão minuciosa e perfeccionista. Talvez Abadi e os demais agora estivessem em perigo… contudo, aquela oportunidade de invasão era tão perfeita que não poderia ser ignorada. Ao seu lado, o musculoso falcão rubro parecia implorar com seu olhar para que tomasse uma rápida decisão, puxando sua arma-garfo das costas e mantendo-se em guarda enquanto esperava o pior acontecer: serem descobertos.
As memórias invasivas voltaram ao seu consciente de maneira violenta. Lembrou-se de quando teve que abandonar Zuqiek nas dunas desheretianas. Por mais que anos tivessem se passado e a situação fosse outra, aquele peso continuava a corroer seus pensamentos lentamente. Qual seria a decisão mais correta? Por tudo a perder com seus seguidores e seguir para o interior do palácio buscando o item que tanto procurava ou reagrupar-se e bater retirada? De toda maneira, era melhor que a decisão não demorasse nem mais um minuto a ser realizada, uma vez que uivos de Chacriux guardas podiam ser ouvidos.
Mais um dia monótono como qualquer outro.
Nascido entre os Tjatis, era fora de sua realidade ter que lidar com grandes preocupações que rodeavam parte das castas menos abatadas de Okhemeq. Com uma relíquia herdada de seus pais, o Tabaxi mostrou-se um merecedor de todas as regalias que desfrutava. No interior das paredes de seu palácio, encontrava todo o conforto que poderia desejar, comidas preparadas por Hemus impecáveis e entretenimento sempre que estivesse sentindo-se entediado. Contudo, tanta nobreza de certa forma contrastava com alguns lascos de delírios sobre uma pacata vila tomada apenas por outros felinos de sua mesma espécie: um mundo verdejante a ser explorado e infinitas possiblidades selvagens que esperavam-no nas localidades mais diversas.
O Tabaxi balançou sua cabeça e voltou a desfrutar do seu suculento peixe sobre a mesa de marfim tão bem polida que era capaz de refletir sua própria imagem.
Os serviçais compartilhavam algumas pequenas informações e sussurros dos mais diversos. O felino trajava uma espécie de kalasir de seda perfeito para o seu tamanho, translúcido, deixava seu corpo de pelugem negra levemente aparente à medida em que era suspenso por uma alça de couro em colorações azul-douradas na altura do pescoço. Um postiche encontrava-se em seu queixo demonstrando sua nobreza. Enquanto isso, os hemus contavam apenas com sungas de tecido branco e vestimenta de linho pouco chamativas. Em sua grande parcela composta por humanos, eram eles quem levavam os pratos dos familiares de Leoster e traziam novas refeições para serem degustadas.
De alguma forma, todo aquele conforto fazia com que o felino se sentisse minimamente estranho.
Devido ao fato de tudo estar ao seu alcance, não havia sensação de aventura ou imprevistos. Sua vida inteira regada a luxo trouxera um presente monótono com rotinas que repetiam-se diariamente. Ainda que não passasse dificuldades, sentia que algo estava faltando.
— Com licença, Senhor Leoster — Mekhun, um dos hemus, aproximou-se fazendo menção de levar o prato com apenas restos de peixe: espinhas, escamas e olhos. — Não sente sono? Sem querer me intrometer, mas… já passou do horário de dormir hoje — o humano demonstrou certo desconforto naquelas palavras, como quem demonstra apreensão ao sugerir algo a um superior.
Leoster tinha ciência de que Mekhun o cuidava desde que era apenas um filhote. Um humano adulto na casa dos trinta e pouco anos, resgatado das areias desheretianas ainda quando uma criança e mantido pelos pais do Tabaxi como um serviçal que tinha muito a aprender dentro da Kemet. Sua lealdade até então havia sido extremamente afiada e, além disso, era capaz de saber todas as necessidades do felino, manias e, pelo que Leoster duvidava, até mesmo ler seus pensamentos mais profundos. Logo atrás, apareceu Nerphet, a idosa humana hemu que tomava conta da cozinha.
Um pouco preocupada, a mulher percebeu a feição descontente de Leoster.
— Oh não… será que temperei errado a carpa de hoje? Quer um segundo prato, Senhor Leoster? Preparei algo tão especial para o seu paladar… — indagou com os dedos das mãos cruzados entre si. Ainda que não fosse o mestre da percepção, o gato percebeu que suas juntas tremiam mais do que o normal: demonstração de esforço na cozinha, provavelmente.
Os uivos dos guardas Chacriux alertaram todos os presentes no banquete.
Alguns familiares de Leoster aprumaram-se em suas cadeiras e esconderam-se debaixo da mesa de marfim. Outros, mais corajosos, partiram para as janelas a fim de ver do que se tratava. Os hemus mantiveram-se parados, como se paralisados frente ao infortúnio: os caninos nunca uivavam sem algum propósito, ainda mais quando já havia anoitecido. O Tabaxi percebeu que havia algo de errado nos arredores.
— Senhor Leoster, siga para seus aposentos, onde estará seguro — Mekhun sugeriu.
A cozinheira partiu de volta para a cozinha a mando de um dos Chacriux que havia surgido com a intenção de evacuar o lugar. Os demais Tabaxis foram para seus quartos, pulando um por cima do outro enquanto levavam consigo sobras de peixes e cordeiros empanados. Embora Leoster soubesse que estaria mais segudo em seus aposentos, toda a situação de alguma forma despertava um sentimento diferente em seu interior: um medo, algo que havia furado completamente sua rotina monótona, trazendo a adversidade mesmo que significasse algo ruim.
Tjatis nem sempre conhecem todos os seus hemus.
Embora Tzo Bakshi soubesse muito bem a raça respeitada no palácio em que trabalhava, era apenas um em meio a dezenas de outros humanos que realizavam ofícios repetitivos todos os dias. Um homem que, para as funções desempenhadas, exercendo um trabalho tão árduo, seguia a fé sobre o Ta Netjeru embora ainda encontrasse algumas dúvidas a serem ponderadas sobre toda a crença okhérisa. Os humanos num geral, principalmente escravizados e reduzidos a serviçais, costumavam crer que, se seguissem o modelo de sociedade de acordo com as vontades do Trimnamon, cedo ou tarde desfrutariam de total liberdade junto às demais raças, portanto, era apenas um sacrifício em vida para que desfrutassem da eternidade paradisíaca em realidades que rompiam a existência da morte.
Enquanto arrumava os aposentos subterrâneos do palácio, notou uma pintura distinta de todo o ambiente na parede atrás de um caixote arrastado. Haviam alguns hieróglifos ali, mas que não podiam ser facilmente lidos pelo homem e sequer tinham nexo em suas gravuras para com a imagem representada. Com algum esforço, contemplou grandes montanhas de pedra ao longe com um horizonte ensolarado. Aquilo de alguma forma remexeu suas memórias, lembrando-o de crenças desconexas, nomes estranhos e histórias que poderiam muito bem serem frutos de um sonho ou pesadelo qualquer. Havia também um propósito, algo a ser medido, comparado, pesado, mas ele não lembrava ao certo sua palavra e, muito menos, seu significado.
— Irmão — uma mão pousou em seu ombro, rompendo seus pensamentos delirantes.
Até mesmo aquela palavra soava com um peso diferente: trazia certo rancor, abandono e arrependimento.
— Já tínhamos conversado sobre você cobrir meu turno. Eu estou bem para realizar as atividades, Tzo, deixe que eu limpo o subterrâneo hoje, sabe como os Tabaxis são… sempre perfeccionistas — deu de ombros.
Seu irmão, Salib, muito pouco parecia com Tzo em seus traços. De pele mais escura, barba crespa e nariz mais redondo, possuía apenas a cabeça ausente de mechas de cabelo em similaridade. Ainda assim, era mais velho e também o que tomava a maioria da decisão por ambos. Tiveram uma terrível infância nas areias desheretianas, quando enfrentaram os terrores do exterior e acabaram perdendo toda a sua família de nômades. Sequer conseguia ter alguma memória concreta de seus pais ou demais familiares — desde que entende-se por si próprio, tinha a Kemet como lar, embora no início tenha sido verdadeiramente difícil se estabelecer.
Por conta disso, os irmãos tinham que realizar diversos roubos nas mais diversas propriedades para que conseguissem se alimentar. Entretanto, uma vez foram enfim levados por Medjais até os Kenbtets, que prescreveram suas sentenças como sendo designados ao palácio Bastte como hemus ao invés de serem expulsos da Kemet por seus atos impensados. Dessa forma, desde da impuberdade, mantiveram-se trabalhando para os felinos, realizando suas vontades e tendo seus potenciais voltados apenas para a servidão.
A disciplina impecável de Tzo revelou-se desde que tornou-se um hemu, com uma respiração capaz de torná-lo uma peça destoante dos demais e conhecimentos de artes marciais que fugiam completamente do que terceiros poderiam reconhecer. Embora tivesse capacidade para ser recrutado como guarda do palácio, seu sangue de humano colocou-o na posição de hemu mesmo que suas capacidades cruzassem simples fronteiras como varrer, limpar e organizar. Contudo, de alguma forma, encontrava certo conforto naquilo que realizava todos os dias: quase uma terapia para que seus pensamentos mais deturpados viessem à superfície novamente: algo que, pelo que especialistas dos Tabaxis diziam, vinham de uma doença desheretiana das areias envolvendo criações de miragens.
Dispensado pelo seu irmão, talvez fosse melhor tirar a noite para um longo descanso.
É claro, se os Chacriux não tivessem avisado do contrário. Foi o suficiente para que Tzo se mantivesse em guarda: durante todos os treinamentos que recebeu sobre as normas do palácio Bastte, o chamado dos chacais é algo que representa o iminente perigo. Seguindo as diretrizes, seria melhor que ajudasse os Tabaxis a evacuarem o lugar ou se esconderem nos seus aposentos. Contudo, Salib posicionou-se diante do homem com um semblante confuso: a pequena iluminação vinda dos candelabros explicitavam seu cenho tenso e um sorriso amarelo.
— Você realmente quer permanecer aqui pelo resto de sua vida? — Indagou.
Uriel não conseguia acostumar-se com aquela armadura de linho, muito menos com o escudo de sílex.
Embora tivesse conquistado tanto, tudo ainda parecia fora de lugar. Tinha que fingir simpatia pelos seus colegas de patrulha e atender as ordens de superiores embora sentisse puro desdém de suas formas tão diferentes do… comum. Mas afinal, o que era comum para a mulher? Embora buscasse em seu interior a motivação por toda aquela aversão às demais espécies, não encontrava nada sólido para ser posto como argumento. Observou seu parceiro-superior, Imset, um minotauro de um chifre cortado, ordenar para que os outros Medjais fossem liberados do expediente do dia. A mulher esperou alguma ordem, mas nada recebeu.
— Hoje conseguimos levar parte dos suprimentos para as zonas residenciais menos abastadas — soltou um longo suspiro que mais parecia um bufo pelas narinas. A argola dourada em seu único chifre mexeu-se junto, estalando contra a queratina num som agudo. — Essa ordem deve ser mantida sempre, lembre-se disso. Os menos favorecidos precisam de suprimentos primeiro do que os mais abastados, senão…
O restante das palavras do minotauro pouco importava.
A palavra ordem serviu como um gatilho para a mulher que, imersa em seus delírios, viu um lugar envolto por enormes muralhas esbranquiçadas, um branco que transpassava até mesmo o marfim imaculado presente em Okhemeq. Contudo, logo as lembranças de ter nascido de um casal de hemus veio à tona, solidificando a realidade nua e crua: Uriel veio dos serventes e teve o direito de deixar de ser uma hemu como a massiva maioria dos humanos ao quase sacrificar sua própria vida a fim de defender uma pequena Aarakroca Tjari. Até hoje é um mistério o verdadeiro motivo por trás de ter, ainda quando muito nova, agido como um escudo para alguém que a tratava simplesmente como uma serviçal.
Tendo conquistado sua liberdade enquanto humana, dedicou-se para entrar nos Medjais, ainda que em uma colocação bem inferior, realizando apenas algumas patrulhas kemetianas, sempre vigiada pelos demais para que não acabe cometendo “algo derivado do instinto de sua raça”. Apesar de seguir a crença do Ta Netjeru, seu interior sente que há algo além que deve ser prezado, contudo, assim como a atuação que mantém com os seus sentimentos em relação aos demais não-humanos, também precisa manter um personagem religioso que não levante suspeitas quanto aos seus verdadeiros ideais.
— Agora preciso realizar algumas pendências perto das áreas dos Tjatis. Caso esteja disposta… — o minotauro a observou da cabeça aos pés com certa indiferença — pode ir comigo essa noite. Ganhar certa experiência, se não for contrária a isso. Ou então continuar com seus esquisitos estudos de hieróglifos e… qual é o nome mesmo? Aqueles símbolos estranhos? Em casa — finalizou.
O ser composto por uma coloração azul puramente translúcida encontrava-se no centro do ambiente. Do topo, algumas frestas abertas na construção erguida em basalto, granito e ouro cediam espaço à luz que invadia como longas mãos rasgando a escuridão em sulcos iluminados responsáveis por expor algumas partículas de areia e pó cujo bailavam pelo ar. O turbante branco na cabeça da criatura também era transponível pela minguada claridade do âmbito, sendo possível vislumbrar parcela do ambiente disponível atrás de sua imagem bem como o restante de si.
Na parte inferior, a ausência de membros completos e muito menos pés. Havia uma espécie de dispersão de figura, tornando-se invisível conforme chegava ao final do corpo: ele sequer tocava o chão, mantendo-se erguido sobre alguns centímetros como por pernas-de-pau invisíveis.
O ser pode ser facilmente descrito como corpulento, de ombros largos e vestimentas extremamente nobres em tecidos que alternavam-se nas cores quentes como o casamento exuberante entre decomposições do dourado aproximando-se de um vermelho. Os rubis adornados jaziam em ombreiras avantajadas de cetim, responsáveis por deslizarem fragilmente como longas caudas de peixes sobre as costas. Numa fração de segundos, as jóias rubras tilintaram quando um foco de luz vindo por uma das pequenas fissuras na estrutura do âmbito a alcançou em sua dispersão.
— Eles não entendem a dor de sua perda, nunca entenderiam o que de fato procuro, muito menos o preço a ser pago.
A percepção do salão foi ampliando-se aos poucos. Havia uma espécie de altar no centro, perto do ser azul, com quatro enormes pilares dourados que erguiam-se até o teto. Mais ao redor, encontravam-se alguns jarros, decorações visivelmente remetentes à cultura do lugar, como por exemplo, típicos sarcófagos enfileirados no interior de lacunas em paredes largas e repletas de hieróglifos que contavam histórias sobre a construção do templo.
O ser demonstrou uma feição cansada assim que um daqueles feixes luminosos invasor ganhou a pele azul translúcida de seu rosto: rugas, olheiras e pupilas extremamente dilatadas compunham sua face. Lentamente, dirigiu-se à galeria de sarcófagos encostados nas paredes e visualizou-os minuciosamente, detalhe por detalhe.
Haviam hieróglifos dos mais diversos em cada um deles, contando histórias, superstições e lendas okhérisas.
Passou por um deles contemplado numa pintura responsável por simbolizar uma ave de penas exuberantes, quatro asas erguiam-se de suas costas com imponência enquanto um semblante equilibrado entre o orgulho e a sabedoria estavam impostos na sua face. O caixão recebeu um toque daquelas mãos calejadas e estremeceu por completo enquanto um fio de mana transpassava-se ao longo de toda sua estrutura, como um sistema sendo ativado via magia.
O próximo demorou a ser escolhido. Após mais de vinte sarcófagos, o selecionado tratava-se de um decorado com visíveis traços femininos humanóides. A figura feminina era envolta por cabelos negros que agiam com proteção de olhares indevidos. Além disso, havia um alicerce emocional na maneira como erguia ambas as mãos de forma santificada sobre o peito, denotando um coração dourado no meio das duas, um sinal de guarnição ao seu interior e, da mesma maneira, passando tranquilidade a quem observa.
Seguindo aos próximos, ele teve que ir para a parede oposta.
Seu foco foi o sarcófago de uma imagem humana polarizada em opostos visivelmente conflituosos: de um lado, a plenitude e certeza de virtudes que guiavam para um caminho mergulhado em benevolências. No outro, chamas envolviam a figura como se nascessem de seu próprio corpo, expressando o julgamento, a perdição e, acima de tudo, princípios guiados apenas por sentimentos enraizados em sentimentos regidos por tudo o que traz malefício a si próprio e aos demais. Ao encostar sua palma sobre o objeto, sua mana fluiu encantando-o da mesma forma.
Por último, dirigiu-se a um daqueles jarros de argila e ouro. Com um singelo toque, iluminou-o em linhas e hieróglifos que traziam a imagem felina de maneira orgulhosa, alimentando o ego com uma feição de realeza que passava longe de qualquer realidade estabelecida. A ambição expressava-se facilmente em seus pequenos olhos profundos, as escrituras contavam algumas pequenas canções envolvendo jogos de palavras entre gatos, curiosidades e decisões que podem levar a labirintos mentais.
Com os quatro selecionados, ele bateu suas palmas, fazendo com que o som ecoasse por todo o âmbito facilmente.
As portas do sarcófago abriram-se no mesmo instante. Descolaram-se de suas estruturas com um rangido sinistro, levantando uma espessa camada de poeira e cinzas responsáveis por formar pequenas nuvens acinzentadas que pairavam agora pelo ar. O homem observou as criações saírem de seus antigos lares, envoltos em faixas e remendados com membros que não encaixavam-se perfeitamente em seus corpos, desfigurações tão profundas que sequer faziam sentido na imagem estabelecida.
O jarro, diferentemente dos demais, sequer precisou da mesma mecânica. A cabeça de um felino amalgamada em detalhes de ratos e olhos humanos levantou-se com remendos como se buscasse por oxigênio. Os hieróglifos e pinturas ganhavam cada vez mais destaques nas tumbas violadas, brilhando em uma coloração esbranquiçada conforme os novos personagens juntavam-se à cena sobre o palco saturado de horrores. A figura repleta de ataduras que saíra de seu sarcófago representado pela humana possuía braços virados para trás, um pescoço que pendia por uma estreita ligação de nervos bem como carne necrosada e um enorme rombo em seu peito. Enquanto isso, o humano homem lutava para que suas duas partes não fossem descosturadas à medida em que as faixas centrais demonstravam lentamente ceder e rasgar.
— Estarão prontos em questão de semanas. Primeiro de tudo, lembrem-se de seus nomes e só então seguiremos para os próximos passos — não foi como se obtivesse respostas. As aberrações soltaram alguns grunhidos de confusão e, especificamente a ave, percebeu que não conseguia abrir suas asas sem que uma parte de seus ombros se deslocasse junto. — Esse é apenas o começo de uma longa jornada.
O ser de azul translúcido levou suas mãos ao turbante no topo da cabeça.
Com certa facilidade, buscou um objeto de bico longo e base curta feito em ouro puro. Haviam diversas inscrições em seu interior, hieróglifos que mudavam de formas e significados apenas ao entrar em contato com sua mana, revelando novos fatos, novas conjunções mágicas e abrindo infinitas portas de possibilidades para seu uso. Com certo desdém, observou as aberrações envoltas em ataduras diante de seus olhos e esfregou a palma de sua mão contra a superfície metálica da lâmpada que, imediatamente, acendeu-se num dourado ofuscante.
O item foi apontado a cada um dos quatro. Sem dificuldades, transformou o que anteriormente tratavam-se de existências deformadas em sopros de energia que foram sugados imediatamente para o seu interior. Como um mestre de culinária que espera toda a sua montagem cronológica de pratos cozinhar com suas táticas experientes, o ser observou a lâmpada em suas mãos estremecer levemente antes de colocá-la com sutileza sobre o altar no centro de todo o âmbito. Um pequeno sorriso nasceu em seus lábios grossos de coloração anil, denotando a vitória que aquele momento significava.
O Aarakroca manteve-se sobre o telhado de argila com suas asas retesadas. Em seu encalce, mais aviários aproximavam-se com certa sutileza por sobre os conjuntos residenciais. No céu, as constelações traziam um universo inteiro de infinidades que lembrava ao líder da gangue realidades que nunca tinha presenciado. Desde sua infância, perdeu-se entre as profundas adversidades em Okhemeq, tendo que lidar com a violência e selvageria desde a juventude para que conseguisse se adaptar e, acima disso, sobreviver à sua própria maneira. Houve uma figura que guiou-o pelo lado certo, fazendo-o repensar seus ideais, encontrar-se à sua própria maneira, ler toda a Kemet de uma maneira totalmente diferente.
Contudo, numa excursão às areias desheretianas, viu-se entre a oportunidade de fugir ou permanecer e perecer junto de seu aliado.
Katiwk jamais esqueceria do dia em que teve de deixar aquele que guiara-o pelo caminho certo ser levado pelas areias selvagens e suas criaturas de maneira tão voraz. Embora ainda sentisse parcela de culpa, sabia que seu luto era apenas seu, uma vez que, de certa forma, ninguém mais possuía lembranças de Zuqiek. Sofrendo pela perda de maneira silenciosa, encontrou conforto nas noites da Kemet, agrupando-se com seguidores que pouco importavam-se com as questões religiosas e morais de Okhemeq, realizando saques em residências de Tjatis.
— Você tem certeza de que não tem armadilhas dessa vez? — Abadi, um dos Kenku mais leais a Katiwk, interrogou mais atrás. Como sempre, tecendo perguntas, expondo dúvidas e racionalizando consequências que podem vir a enfrentar por atos impensados.
— Tsc, você acha que o Máscara da Maldição comete erros? — Alhmet, um outro Aarakroca com traços de falcão e penas rubras interceptou. Sempre cego por sua lealdade, tentando provar-se superior aos demais: destacando-se pela força bruta e não por palavras ou raciocínio próprio.
De alguma forma, aquele senso de liderança e coletividade despertou algumas estranhas memórias — novamente delírios que falavam sobre terras antigas já visitadas, cumes terrosos envoltos em mata e grande quantidade de água. Teve que concentrar-se para espalhar aquelas perdições: sabia que qualquer ideia contrária tal como essas meras ilusões seria vista como sinônimo de alguma doença proveniente das areias desheretianas: algo análogo a miragens causadas pela longa exposição ao sol e temores terríveis advindos do exterior.
Envoltos pelo véu da noite, eles reposicionaram-se e dividiram-se em dois grupos com as ordens de Katiwk. Um total de oito: mais três seguiram-no pela direita, contornando uma estrutura faraônica envolta em pilares que sucediam-se num telhado-pirâmide. Os demais, formados por Kenkus e outros Aarakrocas que não possuíam a habilidade de vôo, escalaram telhados de granito mais altos até que finalmente encontrassem-se no final daquele conjunto residencial. Foi o Máscara da Maldição quem vislumbrou primeiro, de longe, o conjunto de palácios nobres referente aos Tjatis. Suspirou profundamente sentindo o sabor do triunfo ao perceber que os guardas já estavam caídos numa magia de contrafação: sonolentos e zonzos, não haviam sido páreos para as habilidades de Abadi.
No primeiro sussurro inesperado ouvido, reconheceu o som característico de ossos quebrando-se num único solavanco vindo debaixo — um sinal de que Alhmet conseguiu deter aqueles que lutaram contra o sono.
O palácio Bastte erguia-se em arquiteturas extremamente nobres, com ouro talhado em paredes, contando com a ausência de hieróglifos que davam espaço a jóias cravejadas como largas placas de jade cujo combinavam perfeitamente com os tons arenosos advindos de basalto e xisto, componentes quase que totalitários de toda sua estrutura. Com um sinal de suas garras, o grupo dividiu-se em quatro duplas. As duas primeiras separaram-se entre direita e esquerda, enquanto a terceira rumou para o térreo. Katiwk e Alhmet alçaram vôo, chegando à parte superior da grande arquitetura com extrema facilidade: as grandes decorações ovais tratavam-se de pura esmeralda forjada de maneira muito específica em formatos felinos.
Alhmet apontou para o ponto cego em meio aos construtos de esmeralda e jade. Havia uma entrada de tamanho perfeito para que Katiwk entrasse.
A decisão deveria ser feita em questão de segundos: mesmo de longe, conseguiu ouvir os pios do restante de seu bando que representavam urgência. Pelo visto, algo havia dado errado, mesmo tudo sendo arquitetado de maneira tão minuciosa e perfeccionista. Talvez Abadi e os demais agora estivessem em perigo… contudo, aquela oportunidade de invasão era tão perfeita que não poderia ser ignorada. Ao seu lado, o musculoso falcão rubro parecia implorar com seu olhar para que tomasse uma rápida decisão, puxando sua arma-garfo das costas e mantendo-se em guarda enquanto esperava o pior acontecer: serem descobertos.
As memórias invasivas voltaram ao seu consciente de maneira violenta. Lembrou-se de quando teve que abandonar Zuqiek nas dunas desheretianas. Por mais que anos tivessem se passado e a situação fosse outra, aquele peso continuava a corroer seus pensamentos lentamente. Qual seria a decisão mais correta? Por tudo a perder com seus seguidores e seguir para o interior do palácio buscando o item que tanto procurava ou reagrupar-se e bater retirada? De toda maneira, era melhor que a decisão não demorasse nem mais um minuto a ser realizada, uma vez que uivos de Chacriux guardas podiam ser ouvidos.
Mais um dia monótono como qualquer outro.
Nascido entre os Tjatis, era fora de sua realidade ter que lidar com grandes preocupações que rodeavam parte das castas menos abatadas de Okhemeq. Com uma relíquia herdada de seus pais, o Tabaxi mostrou-se um merecedor de todas as regalias que desfrutava. No interior das paredes de seu palácio, encontrava todo o conforto que poderia desejar, comidas preparadas por Hemus impecáveis e entretenimento sempre que estivesse sentindo-se entediado. Contudo, tanta nobreza de certa forma contrastava com alguns lascos de delírios sobre uma pacata vila tomada apenas por outros felinos de sua mesma espécie: um mundo verdejante a ser explorado e infinitas possiblidades selvagens que esperavam-no nas localidades mais diversas.
O Tabaxi balançou sua cabeça e voltou a desfrutar do seu suculento peixe sobre a mesa de marfim tão bem polida que era capaz de refletir sua própria imagem.
Os serviçais compartilhavam algumas pequenas informações e sussurros dos mais diversos. O felino trajava uma espécie de kalasir de seda perfeito para o seu tamanho, translúcido, deixava seu corpo de pelugem negra levemente aparente à medida em que era suspenso por uma alça de couro em colorações azul-douradas na altura do pescoço. Um postiche encontrava-se em seu queixo demonstrando sua nobreza. Enquanto isso, os hemus contavam apenas com sungas de tecido branco e vestimenta de linho pouco chamativas. Em sua grande parcela composta por humanos, eram eles quem levavam os pratos dos familiares de Leoster e traziam novas refeições para serem degustadas.
De alguma forma, todo aquele conforto fazia com que o felino se sentisse minimamente estranho.
Devido ao fato de tudo estar ao seu alcance, não havia sensação de aventura ou imprevistos. Sua vida inteira regada a luxo trouxera um presente monótono com rotinas que repetiam-se diariamente. Ainda que não passasse dificuldades, sentia que algo estava faltando.
— Com licença, Senhor Leoster — Mekhun, um dos hemus, aproximou-se fazendo menção de levar o prato com apenas restos de peixe: espinhas, escamas e olhos. — Não sente sono? Sem querer me intrometer, mas… já passou do horário de dormir hoje — o humano demonstrou certo desconforto naquelas palavras, como quem demonstra apreensão ao sugerir algo a um superior.
Leoster tinha ciência de que Mekhun o cuidava desde que era apenas um filhote. Um humano adulto na casa dos trinta e pouco anos, resgatado das areias desheretianas ainda quando uma criança e mantido pelos pais do Tabaxi como um serviçal que tinha muito a aprender dentro da Kemet. Sua lealdade até então havia sido extremamente afiada e, além disso, era capaz de saber todas as necessidades do felino, manias e, pelo que Leoster duvidava, até mesmo ler seus pensamentos mais profundos. Logo atrás, apareceu Nerphet, a idosa humana hemu que tomava conta da cozinha.
Um pouco preocupada, a mulher percebeu a feição descontente de Leoster.
— Oh não… será que temperei errado a carpa de hoje? Quer um segundo prato, Senhor Leoster? Preparei algo tão especial para o seu paladar… — indagou com os dedos das mãos cruzados entre si. Ainda que não fosse o mestre da percepção, o gato percebeu que suas juntas tremiam mais do que o normal: demonstração de esforço na cozinha, provavelmente.
Os uivos dos guardas Chacriux alertaram todos os presentes no banquete.
Alguns familiares de Leoster aprumaram-se em suas cadeiras e esconderam-se debaixo da mesa de marfim. Outros, mais corajosos, partiram para as janelas a fim de ver do que se tratava. Os hemus mantiveram-se parados, como se paralisados frente ao infortúnio: os caninos nunca uivavam sem algum propósito, ainda mais quando já havia anoitecido. O Tabaxi percebeu que havia algo de errado nos arredores.
— Senhor Leoster, siga para seus aposentos, onde estará seguro — Mekhun sugeriu.
A cozinheira partiu de volta para a cozinha a mando de um dos Chacriux que havia surgido com a intenção de evacuar o lugar. Os demais Tabaxis foram para seus quartos, pulando um por cima do outro enquanto levavam consigo sobras de peixes e cordeiros empanados. Embora Leoster soubesse que estaria mais segudo em seus aposentos, toda a situação de alguma forma despertava um sentimento diferente em seu interior: um medo, algo que havia furado completamente sua rotina monótona, trazendo a adversidade mesmo que significasse algo ruim.
Tjatis nem sempre conhecem todos os seus hemus.
Embora Tzo Bakshi soubesse muito bem a raça respeitada no palácio em que trabalhava, era apenas um em meio a dezenas de outros humanos que realizavam ofícios repetitivos todos os dias. Um homem que, para as funções desempenhadas, exercendo um trabalho tão árduo, seguia a fé sobre o Ta Netjeru embora ainda encontrasse algumas dúvidas a serem ponderadas sobre toda a crença okhérisa. Os humanos num geral, principalmente escravizados e reduzidos a serviçais, costumavam crer que, se seguissem o modelo de sociedade de acordo com as vontades do Trimnamon, cedo ou tarde desfrutariam de total liberdade junto às demais raças, portanto, era apenas um sacrifício em vida para que desfrutassem da eternidade paradisíaca em realidades que rompiam a existência da morte.
Enquanto arrumava os aposentos subterrâneos do palácio, notou uma pintura distinta de todo o ambiente na parede atrás de um caixote arrastado. Haviam alguns hieróglifos ali, mas que não podiam ser facilmente lidos pelo homem e sequer tinham nexo em suas gravuras para com a imagem representada. Com algum esforço, contemplou grandes montanhas de pedra ao longe com um horizonte ensolarado. Aquilo de alguma forma remexeu suas memórias, lembrando-o de crenças desconexas, nomes estranhos e histórias que poderiam muito bem serem frutos de um sonho ou pesadelo qualquer. Havia também um propósito, algo a ser medido, comparado, pesado, mas ele não lembrava ao certo sua palavra e, muito menos, seu significado.
— Irmão — uma mão pousou em seu ombro, rompendo seus pensamentos delirantes.
Até mesmo aquela palavra soava com um peso diferente: trazia certo rancor, abandono e arrependimento.
— Já tínhamos conversado sobre você cobrir meu turno. Eu estou bem para realizar as atividades, Tzo, deixe que eu limpo o subterrâneo hoje, sabe como os Tabaxis são… sempre perfeccionistas — deu de ombros.
Seu irmão, Salib, muito pouco parecia com Tzo em seus traços. De pele mais escura, barba crespa e nariz mais redondo, possuía apenas a cabeça ausente de mechas de cabelo em similaridade. Ainda assim, era mais velho e também o que tomava a maioria da decisão por ambos. Tiveram uma terrível infância nas areias desheretianas, quando enfrentaram os terrores do exterior e acabaram perdendo toda a sua família de nômades. Sequer conseguia ter alguma memória concreta de seus pais ou demais familiares — desde que entende-se por si próprio, tinha a Kemet como lar, embora no início tenha sido verdadeiramente difícil se estabelecer.
Por conta disso, os irmãos tinham que realizar diversos roubos nas mais diversas propriedades para que conseguissem se alimentar. Entretanto, uma vez foram enfim levados por Medjais até os Kenbtets, que prescreveram suas sentenças como sendo designados ao palácio Bastte como hemus ao invés de serem expulsos da Kemet por seus atos impensados. Dessa forma, desde da impuberdade, mantiveram-se trabalhando para os felinos, realizando suas vontades e tendo seus potenciais voltados apenas para a servidão.
A disciplina impecável de Tzo revelou-se desde que tornou-se um hemu, com uma respiração capaz de torná-lo uma peça destoante dos demais e conhecimentos de artes marciais que fugiam completamente do que terceiros poderiam reconhecer. Embora tivesse capacidade para ser recrutado como guarda do palácio, seu sangue de humano colocou-o na posição de hemu mesmo que suas capacidades cruzassem simples fronteiras como varrer, limpar e organizar. Contudo, de alguma forma, encontrava certo conforto naquilo que realizava todos os dias: quase uma terapia para que seus pensamentos mais deturpados viessem à superfície novamente: algo que, pelo que especialistas dos Tabaxis diziam, vinham de uma doença desheretiana das areias envolvendo criações de miragens.
Dispensado pelo seu irmão, talvez fosse melhor tirar a noite para um longo descanso.
É claro, se os Chacriux não tivessem avisado do contrário. Foi o suficiente para que Tzo se mantivesse em guarda: durante todos os treinamentos que recebeu sobre as normas do palácio Bastte, o chamado dos chacais é algo que representa o iminente perigo. Seguindo as diretrizes, seria melhor que ajudasse os Tabaxis a evacuarem o lugar ou se esconderem nos seus aposentos. Contudo, Salib posicionou-se diante do homem com um semblante confuso: a pequena iluminação vinda dos candelabros explicitavam seu cenho tenso e um sorriso amarelo.
— Você realmente quer permanecer aqui pelo resto de sua vida? — Indagou.
Uriel não conseguia acostumar-se com aquela armadura de linho, muito menos com o escudo de sílex.
Embora tivesse conquistado tanto, tudo ainda parecia fora de lugar. Tinha que fingir simpatia pelos seus colegas de patrulha e atender as ordens de superiores embora sentisse puro desdém de suas formas tão diferentes do… comum. Mas afinal, o que era comum para a mulher? Embora buscasse em seu interior a motivação por toda aquela aversão às demais espécies, não encontrava nada sólido para ser posto como argumento. Observou seu parceiro-superior, Imset, um minotauro de um chifre cortado, ordenar para que os outros Medjais fossem liberados do expediente do dia. A mulher esperou alguma ordem, mas nada recebeu.
— Hoje conseguimos levar parte dos suprimentos para as zonas residenciais menos abastadas — soltou um longo suspiro que mais parecia um bufo pelas narinas. A argola dourada em seu único chifre mexeu-se junto, estalando contra a queratina num som agudo. — Essa ordem deve ser mantida sempre, lembre-se disso. Os menos favorecidos precisam de suprimentos primeiro do que os mais abastados, senão…
O restante das palavras do minotauro pouco importava.
A palavra ordem serviu como um gatilho para a mulher que, imersa em seus delírios, viu um lugar envolto por enormes muralhas esbranquiçadas, um branco que transpassava até mesmo o marfim imaculado presente em Okhemeq. Contudo, logo as lembranças de ter nascido de um casal de hemus veio à tona, solidificando a realidade nua e crua: Uriel veio dos serventes e teve o direito de deixar de ser uma hemu como a massiva maioria dos humanos ao quase sacrificar sua própria vida a fim de defender uma pequena Aarakroca Tjari. Até hoje é um mistério o verdadeiro motivo por trás de ter, ainda quando muito nova, agido como um escudo para alguém que a tratava simplesmente como uma serviçal.
Tendo conquistado sua liberdade enquanto humana, dedicou-se para entrar nos Medjais, ainda que em uma colocação bem inferior, realizando apenas algumas patrulhas kemetianas, sempre vigiada pelos demais para que não acabe cometendo “algo derivado do instinto de sua raça”. Apesar de seguir a crença do Ta Netjeru, seu interior sente que há algo além que deve ser prezado, contudo, assim como a atuação que mantém com os seus sentimentos em relação aos demais não-humanos, também precisa manter um personagem religioso que não levante suspeitas quanto aos seus verdadeiros ideais.
— Agora preciso realizar algumas pendências perto das áreas dos Tjatis. Caso esteja disposta… — o minotauro a observou da cabeça aos pés com certa indiferença — pode ir comigo essa noite. Ganhar certa experiência, se não for contrária a isso. Ou então continuar com seus esquisitos estudos de hieróglifos e… qual é o nome mesmo? Aqueles símbolos estranhos? Em casa — finalizou.
- Spoiler:
- O texto não foi todo revisado.
Pra um começo, talvez tenha sido um pouco fraco ou com poucas informações, mas foi o que eu consegui colocar de maneira organizada no papel. Sei que alguns pontos ficaram meio desconexos, mas é um pouco a intenção mesmo sabe? Seus personagens estão confusos nessa realidade de Okhemeq, então é normal que quem esteja por trás deles também estejam. Lembrem-se de que vocês tem todo o tópico de Okhemeq pra ler caso se sintam perdidos.
— Novas raças introduzidas: Kenku e Chacriux, post a ser feito depois.
— Kemet: reino, país, nação, cidade.
— Desheret: exterior, fora, desconhecido.
— Tjati: classe nobre de Okhemeq, mais próximos do faraó.
— Máscara da Maldição: alcunha de Katiwk entre o seu bando.
— Hemu: escravos, serviçais, etc.
— Kenbets: escribas.
— Medjai: “exército” de okhemeq.
— Kalasiris: vestes túnica-transparente bem fina.
— Postiche: aquele “cavanhaque dourado”, acessório de nobreza egípcia.
— Ta Netjeru: o “paraíso” okhériso, de uma profecia muito antiga.
Sei que também poucas oportunidades de ação foram dadas nesse post, mas como eu disse, é meio que um simples prólogo… o prazo pra postagem é 04/10, mas não se exasperem, podem cruzar o prazo já que estamos começando. Mas entendam que a história precisa progredir, portanto, é importante que tomem decisões e etc, senão acaba seguindo apenas o meu fluxo cru de ideias mesmo.
Qualquer dúvida podem me consultar via wpp. Estão todos full HP/MN/ST. Boa sorte.
- Spoiler:
- Katiwk — Máscara de Penas (1)
Leoster — Escova de Ouro (1)
Tzo Bakshi — Cabo de Madeira (1)
Uriel — Escudo de Sílex (1)
Os itens são de acordo com a realidade dos personagens, é tudo de relevante que possuem até agora. Para o Tzo: considere que o cabo de madeira pode ter sido arrancado de alguma ferramenta que usa na limpeza. Enquanto ao Leoster: a escova foi o item herdado. O restante, acho que não existem muitas dúvidas… de toda forma, tudo pronto para que sigam seus posts.
Ah, nenhum item de seus inventários poderá ser usado aqui também.
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- TzoEtéreo
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Re: [CO] Maquinações Áridas Contra o Tempo
Qui Out 01, 2020 10:56 pm
N aquela noite meus pensamentos encontravam-se um tanto confusos, fosse ou não pela suposta doença desheretiana que os especialistas Tabaxi afirmavam existir. Segundo o que diziam, eu havia passado muito tempo de minha vida nas areias exterioranas, então era normal que vez ou outra me sentisse assolado por sentimentos desconexos.
Para isso, recomendaram como tratamento que eu me concentrasse em minhas atividades sempre que percebesse alguma sensação estranha, então foi isso que fiz quando aquelas gravuras em formato de montanhas passaram a serem vistas por meus olhos de forma intrigante. Balancei a cabeça, livrando-me dos raciocínios que tentavam se formar dentro dela e segurei o cabo do utensílio de limpeza com mais força. Se havia algo que eu não precisava nesta idade, era ser declarado como mentalmente insano.
O problema era que não importava o quanto eu tentasse manter-me neutro e focado naquela lua, até mesmo coisas simples, como Salib me chamando agora, pareciam cair aos meus ouvidos com um pesar diferente. Como irmão mais velho, era comum que se preocupasse comigo e sempre tentasse fazer com que eu não me desgastasse tanto nos trabalhos braçais, mas ele não entendia.
Todo o tempo que passei limpando, organizando e servindo os felinos no palácio parecia pouco para o meu corpo. Meus braços carregavam pesos que não forçavam meus músculos até onde aguentavam, meus pés ainda poderiam caminhar horas quando eu me deitava, e minhas costas doíam raramente após um dia que outros hemus considerariam desgastante. Em resumo, sentia-me todos as noites como se eu pudesse ir além dos limites me traçados, mas tentava desvencilhar-me dessas constatações e focar no que seria nosso pagamento por todos esses anos de servidão: o Ta Netjeru.
Segundo a crença okhérisa, seguir o modelo de sociedade de acordo com as vontades do Trimnamom nos levaria ao tão sonhado paraíso, onde poderíamos desfrutar de uma vida livre de desigualdades e eterno júbilo. Era nisso que principalmente nós, serviçais, focávamos durante nossos dias cuidando de afazeres árduos e cansativos. Salib e eu merecemos essa recompensa, pensei, e então ouvi os uivos dos Chacriux.
Os pelos do meu corpo eriçaram diante do alerta sonoro. Senti um calafrio percorrendo todo o caminho da coluna até a nuca e foi como se eu soubesse: algo estava para mudar. Era mais uma daquelas estranhas sensações que tive inúmeras vezes nestes anos no palácio, então achei melhor poupar-me de devaneios e seguir com os protocolos me ensinados, não fosse meu irmão colocar-se em meu caminho e lançar-me aquela pergunta.
Foi como se todo o peso do Bastte caísse sobre mim.
Uma espécie de náusea dominou-me no primeiro instante, mas para a medida em que assimilava o questionamento e minhas vontades e pensamentos mais reprimidos começavam a vir à tona, sentia ela se tornar mais fraca. Meu coração começou a bater em velocidade diferente, não de maneira acelerada, mas como se houvesse encontrado o ritmo certo de palpitar. O ar que durante aquela noite entrava por minhas narinas de maneira tão dificultosa, encontrava agora o caminho até os pulmões sem qualquer esforço.
Nesse momento era como seu meu corpo houvesse decidido ignorar todas as reprimendas e passasse a agir por conta própria.
Segurei o cabo da vassoura em minhas mãos com firmeza, o inclinei e pisei bruscamente na extremidade onde a cerdas se concentravam. O clac da madeira partindo ecoou, decretando o fim da minha servidão aos Tabaxi conforme eu munia-me daquela arma improvisada.
— Irmão, vamos sair daqui.
Para isso, recomendaram como tratamento que eu me concentrasse em minhas atividades sempre que percebesse alguma sensação estranha, então foi isso que fiz quando aquelas gravuras em formato de montanhas passaram a serem vistas por meus olhos de forma intrigante. Balancei a cabeça, livrando-me dos raciocínios que tentavam se formar dentro dela e segurei o cabo do utensílio de limpeza com mais força. Se havia algo que eu não precisava nesta idade, era ser declarado como mentalmente insano.
O problema era que não importava o quanto eu tentasse manter-me neutro e focado naquela lua, até mesmo coisas simples, como Salib me chamando agora, pareciam cair aos meus ouvidos com um pesar diferente. Como irmão mais velho, era comum que se preocupasse comigo e sempre tentasse fazer com que eu não me desgastasse tanto nos trabalhos braçais, mas ele não entendia.
Todo o tempo que passei limpando, organizando e servindo os felinos no palácio parecia pouco para o meu corpo. Meus braços carregavam pesos que não forçavam meus músculos até onde aguentavam, meus pés ainda poderiam caminhar horas quando eu me deitava, e minhas costas doíam raramente após um dia que outros hemus considerariam desgastante. Em resumo, sentia-me todos as noites como se eu pudesse ir além dos limites me traçados, mas tentava desvencilhar-me dessas constatações e focar no que seria nosso pagamento por todos esses anos de servidão: o Ta Netjeru.
Segundo a crença okhérisa, seguir o modelo de sociedade de acordo com as vontades do Trimnamom nos levaria ao tão sonhado paraíso, onde poderíamos desfrutar de uma vida livre de desigualdades e eterno júbilo. Era nisso que principalmente nós, serviçais, focávamos durante nossos dias cuidando de afazeres árduos e cansativos. Salib e eu merecemos essa recompensa, pensei, e então ouvi os uivos dos Chacriux.
Os pelos do meu corpo eriçaram diante do alerta sonoro. Senti um calafrio percorrendo todo o caminho da coluna até a nuca e foi como se eu soubesse: algo estava para mudar. Era mais uma daquelas estranhas sensações que tive inúmeras vezes nestes anos no palácio, então achei melhor poupar-me de devaneios e seguir com os protocolos me ensinados, não fosse meu irmão colocar-se em meu caminho e lançar-me aquela pergunta.
Foi como se todo o peso do Bastte caísse sobre mim.
Uma espécie de náusea dominou-me no primeiro instante, mas para a medida em que assimilava o questionamento e minhas vontades e pensamentos mais reprimidos começavam a vir à tona, sentia ela se tornar mais fraca. Meu coração começou a bater em velocidade diferente, não de maneira acelerada, mas como se houvesse encontrado o ritmo certo de palpitar. O ar que durante aquela noite entrava por minhas narinas de maneira tão dificultosa, encontrava agora o caminho até os pulmões sem qualquer esforço.
Nesse momento era como seu meu corpo houvesse decidido ignorar todas as reprimendas e passasse a agir por conta própria.
Segurei o cabo da vassoura em minhas mãos com firmeza, o inclinei e pisei bruscamente na extremidade onde a cerdas se concentravam. O clac da madeira partindo ecoou, decretando o fim da minha servidão aos Tabaxi conforme eu munia-me daquela arma improvisada.
— Irmão, vamos sair daqui.
chansudesu, Leoster, Katiwk e Emme gostam desta mensagem
Re: [CO] Maquinações Áridas Contra o Tempo
Sex Out 02, 2020 1:07 am
Mais um rotineiro e pacato jantar, em mais um rotineiro e pacato dia. Já perdera as contas de quantos dias se passavam sem que eu sequer tivesse noção. Afinal, eram todos iguais, um após o outro. Nada jamais me faltava, qualquer necessidade satisfeita com um simples estalar de dedos. Poder, riqueza, conforto, poderia haver melhor vida para um gato? Provavelmente não, ao menos não para a maioria dos gatos. Esse não era o caso para mim.
Tal rotina cansava-me, como uma história já acabada. Fazia-me questionar o que restava após termos todos nossos objetivos de vida conquistados. A morte? Não. Apenas o nada, o vazio. Nem vida, nem morte. Este era eu.
Não era atoa que meu humor não estava dor melhores, quando Mekhun tentara me despachar para meus aposentos. Pobre homem, cuidara de mim durante toda minha vida. Sempre fora um servo leal, talvez até demais, o suficiente para acreditar ter certas liberdades que eu não lhe havia conferido. Por sua sorte Nerphet apareceu logo, pressentindo, por minhas feições, o perigo em que Mekhun se metera. Não fosse a visão das tremulas mãos da mulher, sequer consigo imaginar que tipo de resposta eu teria dado.
já estava prestes a agradecer pela refeição e realmente retirar-me para meus aposentos quando ouvi os uivos dos Chacriux. Uma estranha inquietação, que já se fazia presente, pareceu aflorar e ganhar espaço no fundo de meu âmago. Observei, em silêncio, enquanto os demais presentes corriam para um lado e para o outro, alguns curiosos, outros temerosos.
Até que, novamente, Mekhun insistiu para que eu me retirasse a meus aposentos. Pra mim já era demais.
- Agradeço a preocupação, Mekhun, mas, caso não se lembre, eu não sou indefeso como vocês macacos sem pelos. Eu sou o senhor deste palácio e sei muito bem como me defender, além de ter todos vocês para fazer, também, esse trabalho por mim. Não, eu ficarei. Não admitirei alterações sob o meu teto enquanto me escondo como um covarde em meus aposentos. - afirmei de maneira enfática e direta - Passe minhas ordens ao comandante dos Chacriux. Quero que ele envie os guardas para patrulhar o perímetro e me trazer um relatório o mais rápido possível. Também preciso que ele destaque uma guarda para os aposentos dos demais Tjatis e uma para este recinto. Após, Mekhun, quero que volte para cá e traga os outros hemus. Isso facilitará o trabalho das patrulhas. Faça isso agora. Você, acompanhe ele e certifique-se de sua segurança. - completei, fazendo sinal para o Chacriux que evacuara o local.
Assim que meu criado partisse para cumprir minhas ordens, seguiria até a janela que tivesse melhor visão da propriedade, na espera de ter um vislumbre do que ocorria, tentando não revelar muito de minha presença para quem olhasse por fora.
Tal rotina cansava-me, como uma história já acabada. Fazia-me questionar o que restava após termos todos nossos objetivos de vida conquistados. A morte? Não. Apenas o nada, o vazio. Nem vida, nem morte. Este era eu.
Não era atoa que meu humor não estava dor melhores, quando Mekhun tentara me despachar para meus aposentos. Pobre homem, cuidara de mim durante toda minha vida. Sempre fora um servo leal, talvez até demais, o suficiente para acreditar ter certas liberdades que eu não lhe havia conferido. Por sua sorte Nerphet apareceu logo, pressentindo, por minhas feições, o perigo em que Mekhun se metera. Não fosse a visão das tremulas mãos da mulher, sequer consigo imaginar que tipo de resposta eu teria dado.
já estava prestes a agradecer pela refeição e realmente retirar-me para meus aposentos quando ouvi os uivos dos Chacriux. Uma estranha inquietação, que já se fazia presente, pareceu aflorar e ganhar espaço no fundo de meu âmago. Observei, em silêncio, enquanto os demais presentes corriam para um lado e para o outro, alguns curiosos, outros temerosos.
Até que, novamente, Mekhun insistiu para que eu me retirasse a meus aposentos. Pra mim já era demais.
- Agradeço a preocupação, Mekhun, mas, caso não se lembre, eu não sou indefeso como vocês macacos sem pelos. Eu sou o senhor deste palácio e sei muito bem como me defender, além de ter todos vocês para fazer, também, esse trabalho por mim. Não, eu ficarei. Não admitirei alterações sob o meu teto enquanto me escondo como um covarde em meus aposentos. - afirmei de maneira enfática e direta - Passe minhas ordens ao comandante dos Chacriux. Quero que ele envie os guardas para patrulhar o perímetro e me trazer um relatório o mais rápido possível. Também preciso que ele destaque uma guarda para os aposentos dos demais Tjatis e uma para este recinto. Após, Mekhun, quero que volte para cá e traga os outros hemus. Isso facilitará o trabalho das patrulhas. Faça isso agora. Você, acompanhe ele e certifique-se de sua segurança. - completei, fazendo sinal para o Chacriux que evacuara o local.
Assim que meu criado partisse para cumprir minhas ordens, seguiria até a janela que tivesse melhor visão da propriedade, na espera de ter um vislumbre do que ocorria, tentando não revelar muito de minha presença para quem olhasse por fora.
chansudesu, Katiwk, Emme e Tzo gostam desta mensagem
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Katiwk
Sex Out 02, 2020 8:58 am
Certa vez ouvi de uma certa bruxa que o destino procura nos ensinar lições. E, a cada vez que tentamos fugir, o ciclo se repete. A noite já não era uma das minhas melhores. Sensações ruins invadiam meu corpo e me faziam imaginar locais em que nunca estive. Se isso não bastasse… Zuqiek. E era aqui onde o destino resolver me enlaçar novamente.
Diante dos meus olhos, a oportunidade que tanto aguardávamos estava aberta. Chegar tão perto das residências dos Tjatis não era tarefa fácil, mesmo com a competência do meu bando. Entretanto, algo não saiu como o planejado e ouvi que meu bando precisava de ajuda. Foi nesse exato momento que vi: a imensidão do deserto, as criaturas vorazes e… aquele que me criara sendo uma presa fácil, talvez até mesmo para abrir o caminho para minha fuga.
Atrás de mim, eu sentia a impaciência de Alhmet. Com os uivos dos Chacriux, eu não tinha o luxo de pensar por muito tempo. Se o laço do destino estava em meu pescoço, a decisão a ser tomada era apenas uma. Eu não conseguiria viver carregando mais sangue de companheiros em minhas asas. Se era para eu ter morrido naquele deserto, que eu morra agora lutando ao lado daqueles que confiam em mim.
— Alhmet, talvez eu seja o mais tolo dos líderes, mas… — levei minha garra ao meu rosto e toquei minha máscara. — nosso bando viverá outro dia para conquistarmos essa vitória! Juntos! — A máscara de penas em meu rosto foi sobreposta pela máscara ursina e senti a sensação inebriante de sempre.
Dali, seguiríamos em direção dos pios de nossos companheiros enquanto o ponto cego que me levaria ao sucesso da missão ficava para trás.
Diante dos meus olhos, a oportunidade que tanto aguardávamos estava aberta. Chegar tão perto das residências dos Tjatis não era tarefa fácil, mesmo com a competência do meu bando. Entretanto, algo não saiu como o planejado e ouvi que meu bando precisava de ajuda. Foi nesse exato momento que vi: a imensidão do deserto, as criaturas vorazes e… aquele que me criara sendo uma presa fácil, talvez até mesmo para abrir o caminho para minha fuga.
Atrás de mim, eu sentia a impaciência de Alhmet. Com os uivos dos Chacriux, eu não tinha o luxo de pensar por muito tempo. Se o laço do destino estava em meu pescoço, a decisão a ser tomada era apenas uma. Eu não conseguiria viver carregando mais sangue de companheiros em minhas asas. Se era para eu ter morrido naquele deserto, que eu morra agora lutando ao lado daqueles que confiam em mim.
— Alhmet, talvez eu seja o mais tolo dos líderes, mas… — levei minha garra ao meu rosto e toquei minha máscara. — nosso bando viverá outro dia para conquistarmos essa vitória! Juntos! — A máscara de penas em meu rosto foi sobreposta pela máscara ursina e senti a sensação inebriante de sempre.
Dali, seguiríamos em direção dos pios de nossos companheiros enquanto o ponto cego que me levaria ao sucesso da missão ficava para trás.
- Off::
- Skill utilizada:
- Máscara do Urso Pardo
Nível: 1
Custo: 20 de mana + (10 de estamina)
Dano Base: 15
Descrição: A máscara de osso é envolta pela mana do usuário e muda seu formato se tornando uma máscara de cor parda e formato de urso.
O próximo ataque básico será fortalecido e causará o status Stun no alvo por 1 ação.
A máscara permanece no usuário até ser Absorvida. Quanto mais tempo a máscara permanecer em uso, a característica principal do animal começará a atuar no usuário. A Máscara do Urso Pardo cria o status Fúria do Urso que aumenta a cada turno.
Mesmo com a máscara em uso, para aplicar os efeitos ainda faz-se necessário pagar o custo de mana.
Absorver: Com um custo adicional de estamina, a máscara é consumida aumentando a Força do usuário em 10% por 1 turno. Quando a máscara é absorvida, os efeitos psicológicos do animal são resetados.
Stun: O alvo fica atordoado e impossibilitado de executar alguma ação.
Fúria do Urso: O usuário começa a se despreocupar com a própria segurança ao focar em ataques de forma furiosa. Em graus elevados, não será capaz de diferenciar aliado de inimigo.
Efeitos: Stun, aumento de Força.
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Re: [CO] Maquinações Áridas Contra o Tempo
Sex Out 02, 2020 10:23 pm
Toda vez que certos pensamentos invadiam minha memória, era como fogo alastrando-se pelo meu cérebro, queimando tudo que eu podia se quer lembrar. Aliás, havia algo para lembrar? Os outros Medjais receberam ordens de nosso chefe, um minotauro intimidador, mas nada veio para mim exceto a palavra ordem. Mas como que uma palavra consegue me tirar do chão?
O escudo em meu braço esquerdo não me parece certo, mas nada que eu faça ajuda a aliviar o desconforto. Parece que algo está faltando, porém não sei ao certo o que. Observar essas... Urgh... Essas bestas mandando e desmandando, achando que são superiores uns aos outros, e o pior de tudo era ver outros humanos como meros hemus. "Mas que mundo louco...", pensei.
No âmago de minha razão eu sentia que algo não estava na devida ordem, mas eu precisava aturar aquilo tudo se não precisasse realmente de uma posição melhor que ser uma simples hemu. Mesmo que eu sentisse náuseas só por estar próximo à essas bestas e receber ordem delas, eu não conseguia formar uma razão para tal sentimento, mas meu corpo sempre reagia dessa maneira e eu sempre precisei me policiar bastante, suportar a presença deles ao meu redor. Porém, desde quando exatamente? Eu recordava de ser mais jovem e usar meu corpo para proteger uma dessas coisas estranhas de penas, mas qual foi o motivo? De onde vinha essa lembrança? O minotauro tomou minha atenção novamente.
— Muito obrigada pelo convite, senhor. Contudo, devo manter fiel meu horário de estudos. — as palavras de agradecimento deixaram um gosto amargo em minha boca, mas nada eu podia fazer.
Algo em minha mente pedia para que eu recusasse o convite do bestial, visto que eu estava engajada em algumas coisas que com certeza eles desaprovariam. Estava chegando perto do horário de minhas orações, mesmo que eu não soubesse exatamente para o que, mas algo me dizia para fazê-las durante certas noites. E essa era uma delas.
O escudo em meu braço esquerdo não me parece certo, mas nada que eu faça ajuda a aliviar o desconforto. Parece que algo está faltando, porém não sei ao certo o que. Observar essas... Urgh... Essas bestas mandando e desmandando, achando que são superiores uns aos outros, e o pior de tudo era ver outros humanos como meros hemus. "Mas que mundo louco...", pensei.
No âmago de minha razão eu sentia que algo não estava na devida ordem, mas eu precisava aturar aquilo tudo se não precisasse realmente de uma posição melhor que ser uma simples hemu. Mesmo que eu sentisse náuseas só por estar próximo à essas bestas e receber ordem delas, eu não conseguia formar uma razão para tal sentimento, mas meu corpo sempre reagia dessa maneira e eu sempre precisei me policiar bastante, suportar a presença deles ao meu redor. Porém, desde quando exatamente? Eu recordava de ser mais jovem e usar meu corpo para proteger uma dessas coisas estranhas de penas, mas qual foi o motivo? De onde vinha essa lembrança? O minotauro tomou minha atenção novamente.
— Muito obrigada pelo convite, senhor. Contudo, devo manter fiel meu horário de estudos. — as palavras de agradecimento deixaram um gosto amargo em minha boca, mas nada eu podia fazer.
Algo em minha mente pedia para que eu recusasse o convite do bestial, visto que eu estava engajada em algumas coisas que com certeza eles desaprovariam. Estava chegando perto do horário de minhas orações, mesmo que eu não soubesse exatamente para o que, mas algo me dizia para fazê-las durante certas noites. E essa era uma delas.
chansudesu, Leoster, Katiwk e Tzo gostam desta mensagem
Re: [CO] Maquinações Áridas Contra o Tempo
Dom Out 04, 2020 3:53 pm
A decisão foi tomada.
Para Alhmet, uma surpresa. Após tanto planejamento, Katiwk preferia lidar com imprevistos do que concluir seu plano, e isso de certa forma fez com que o semblante do falcão ficasse mergulhado em puro espanto por alguns segundos. Naquela parte superior do palácio, agraciados apenas pela sutil iluminação lunar que caía-lhes como um delicado véu, Katiwk trajou sua máscara imersa em mana, modificando a texturização das penugens e transformando-a em algo mais próximo a um urso do que, de fato, uma ave.
— O que você acha que deu errado? — Interrogou o rubro.
Os uivos ampliaram-se exponencialmente.
O som de patas chocando-se contra a superfície de basalto tornou-se uma melodia assombrosa do que estava por vir. O vulto escalou rapidamente as paredes do palácio, debruçou-se em parapeitos nas janelas e realizou um salto sobre a dupla estagnada no cume da construção como uma sombra. Assim que seus pés encontraram o solo, levantou-se e sua forma transformou-se em algo mais palpável: a túnica em tons dourados e azuis encobria grande parte de seu corpo, os adornos okhérisos deixavam a marca registrada da Kemet em suas vestes de um guarda nobre. O chacriux observou a dupla de aarakrocas e mostrou sua arcada dentária, fitando-a com seus olhos estranhamente tomados por uma iluminação púrpura.
Alhmet empunhou sua espécie de tridente e colocou-se diante de Katiwk, apontando-a para o posterior oponente. O chacal, por outro lado, retirou de suas costas uma espécie de cetro com um semi-círculo cravejado em sua extremidade responsável por emanar a mesma coloração imbuída em seus orbes oculares. O canídeo não parecia disposto a dialogar: seja pelo seu estado de fúria atual ou não, o denominado como Máscara da Maldição logo percebeu que não conseguiria reagrupar-se com os demais rapidamente caso aquele obstáculo permanecesse em seu caminho.
— Invasores asquerosos… eu vou arrancar cada pena de vocês até que a carne saia junto! — Rosnou o chacal numa voz rouca e visivelmente alterada.
— Fique atrás de mim, Katiwk! — Alhmet espiralou seu tridente sobre a cabeça, farfalhando o ar antes de pará-lo e batê-lo contra o chão.
Ao longe, era possível ouvir mais alguns pios que pediam por reagrupamento: provavelmente outros guardas Chacriux haviam interceptado seus grupos. Em meio à sua planta perfeita de invasão, sabia que haviam mais alguns pontos seguros para que o terreno ficasse propício para ter brechas de entrada. Contudo, ia além de sua capacidade saber se estavam prontas ou não, portanto, as demais partes deveriam auxiliá-lo. Entretanto, agora que um imprevisto ocorrera, talvez fosse momento de repensar todos os pontos armados e… debandar?
Mas Katiwk sabia que aquela era uma chance única.
ALHMET
KATIWK
Fúria do Urso: 1 Turno
Do alto de sua arrogância, Leoster proferiu ordens que mais soavam como arautos do caos do que, de fato, servir de algum alicerce.
Mekhun recebeu toda aquela prepotência como de costume mantendo um olhar fixo aos próprios pés: sinal de devoção ao mesmo tempo em que demonstrava medo de observar seu superior diretamente nos olhos. No final das palavras do felino, observou-o de relance e assentiu com a cabeça, realizando um gesto com a mão por fim. Assim sendo, junto de um outro chacriux, retirou-se do salão de jantar tal como a grande maioria o fazia.
Os tabaxis, obviamente, foram os primeiros a serem evacuados. Levados a seus aposentos pelos chacriux que lentamente tomavam a linha de frente ao realizar patrulha pelo perímetro do palácio, os hemus presentes também tinham como função manter a segurança de seus superiores. Portanto, ainda que as garras dos tabaxis fossem afiadas como adagas perigosas, precisavam aguentar os arranhões em seus corpos quando precisavam puxá-los de seus esconderijos — majoritariamente debaixo de mesas de granito ou dentro de jarros de argila — para mantê-los seguros.
O tabaxi tinha certeza que, cedo ou tarde, os hemus apareceriam no lugar como bem fora mandado. Afinal, ordens dadas eram ordens acatadas.
Pela janela em que estava, conseguia ver parte da parte exterior do palácio abaixo: seus olhos púrpuros ganharam grande parte dos acontecimentos então — conseguiu ver o momento em que uma sombra alada caía de um dos telhados de granito próximos diretamente para o solo, tentando alçar vôo, mas falhando miseravelmente visto que uma dupla de chacriux havia o atingido ainda no ar. Cada um dos guardas tratou de abocanhar uma asa do aarakroca, reduzindo-o a um torso aviário que ganhou o chão num baque surdo antes de pousarem e erguê-lo ainda ensanguentado como uma captura bem realizada.
Mas logo as coisas foram tornando amplitudes cada vez mais preocupantes.
Do rasgo de ossos e cartilagem onde anteriormente haviam asas, saíam serpentes que enrolavam-se nos chacriux e faziam-nos dissolverem-se em ácido puro. Seus corpos corroídos soltavam nuvens de gases tóxicos onde anteriormente haviam cabeças de chacais e corpos musculosos tomados por pelos, até que, por fim, realizassem uma ampla mudança cromática: do verde para o azul amarelado, então para o púrpuro, introduzindo por fim ao rosa e vermelho. Leoster viu-se refém daquela vista, sem entender ao certo ou conseguir decifrar o que estava acontecendo: muito menos quando a noite estrelada, de supetão, transformou-se em dia num único piscar de olhos.
Ele percebeu que tudo estava diferente. Quanto mais olhava pela janela, mais tudo a ser observado tornava-se absurdo, imerso em violência e sangue, detalhes desconexos e uma grande claridade que, lentamente, afetava sua visão.
— Espero que tenha gostado da carpa, Senhor Leoster — a voz frágil de Nerphet surgiu detrás do felino despertando-o novas sensações ainda não saboreadas. O gosto do peixe com temperos distintos do comum veio à tona no mesmo instante em seu paladar. — Nós iremos tomar conta de você hoje, não se preocupe… estará em boas mãos, tudo bem? — Ao observá-la, haveria apenas a imagem de uma tabaxi ali, com bigodes e sobrancelhas grisalhas destoando-se do restante de sua pelugem castanho claro.
Leoster sentiu um enjôo. Algo lhe dizia que seus sentidos logo mais o deixariam para trás.
LEOSTER
Salib sorriu de maneira tão radiante que Tzo poderia jurar ter todos os seus problemas varridos naquele mesmo instante. No fundo, o sentimento de liberdade era o que os alicerçava um ao outro em meio às tormentas vividas em suas vidas até então que, no momento em que mais precisavam tolerá-las para que seguissem à recompensa eterna, também lhes castigava dia após dia. Serventia aos tabaxis não era algo lido como fácil: principalmente devido às suas específicas manias e detalhes que faziam-lhes passar pelas mais diversas humilhações.
— Tzo — engoliu a seco antes de prosseguir — tudo está planejado para hoje, irmão. Temi que talvez você ficasse para a servidão dos que restaram ao invés de seguir rumo à liberdade.
Do lado de fora, o som de pios com uivos se mesclavam numa melodia agonizante. Tzo sabia que os aposentos subterrâneos do Bastte possuíam diversas saídas para pontos distintos dentro dos próprios arredores da grande nobreza, e talvez fosse um plano desde o início para Salib que se encontrassem exatamente nesse mesmo ponto para que conseguissem arquitetar uma fuga perfeita. O homem bagunçou sua barba crespa antes de olhar para trás com certo receio: o alçapão sequer mexia. Sinal de que ninguém estava vindo. Ainda.
— Nós, hemus de Bastte, entramos num acordo com o grupo do Máscara da Maldição com uma condição. Eles ficam com o tesouro da família Aevum e nós com a nossa liberdade — um estrondo interrompeu a explicação de Salib. Sentiram quando algo chocou-se contra a parte superior de onde estavam, fazendo com que nuvens de poeira soltassem-se das frestas e caíssem como garoa sobre suas carecas. — Isso não foi ideia minha, nem pensar, mas sim de alguém muito mais próximo e que sabe de muitos mais segredos desse palácio do que eu ousaria me interessar.
Um estouro.
Ao longe, perceberam quando um alçapão havia sido arrombado: a luz da lua adentrou os aposentos subterrâneos antes de um trio invadi-lo da mesma forma. Uma mulher sem braço, trajada num kalisir branco explicitando suas partes íntimas cobertas por tecidos mais grossos: seus cabelos crespos encontravam-se presos em tranças adornadas em anéis dourados. Ao lado, uma criança com a parte esquerda do rosto encoberta pelo capuz negro de seu robe — ainda assim, era possível ver alguns vestígios de queimadura. Por fim, um homem de feição rabugenta, calvo e com o restante dos cabelos grisalhos.
— O que estão fazendo parados aqui esperando? — A mulher exasperou-se.
A criança choramingou.
— Eu ouvi os uivos dos chacriux, isso quer dizer que… — Salib foi interrompido.
— Quer dizer que os tabaxis estão derrubados. Veneno no banquete, não sei pelo quê e nem como, mas Nerphet deve ter feito um bom trabalho com essa gatarada do caralho — o mais velho rumou em passos brutos para encurtar a distância entre si e os irmãos. Agora, mais de perto, era possível noticiar as rugas abaixo dos seus olhos. — Mas nada saiu como o planejado. Existe um traidor, alguém dedurou o plano e colocou chacriux extras para patrulhar.
— Mekhun? — Salib interrogou.
— Esse daí é o pior de todos. Colocou porção extra para que aquele tabaxi velho comesse — a mulher brincou com uma de suas tranças enquanto mantinha um olho cuidadoso sobre o pequeno menino que, a todo custo, tentava esconder a marca de queimadura no rosto. — Também foi quem selou o acordo com os rapinas.
— De toda forma, precisamos sair logo pelo portão, os demais devem vir depois. Sigam o que nós planejamos durante todos esses sóis — Salib comentou.
Em consequência, o grupo de humanos seguiu pelos aposentos subterrâneos, entrando por galerias desconhecidas e caminhos tomados por pertences antigos dos ancestrais tabaxis. O caminho foi feito de maneira tranquila: ainda que o nervosismo fosse presente apenas por desafiarem a grande lei máxima de servidão enquanto hemus, a mulher — denominada Yefret — deixava pequenos grãos de arroz para trás para que os outros humanos que viessem soubessem qual caminho realizar. Enquanto isso, o grisalho, Aqhe, continuava a conversar sobre o plano com Salib mais à frente. O menino, por sua vez, mantinha-se em profundo silêncio, apenas brincando com a costura de seu robe negro.
Estavam próximos do alçapão que dava aos portões principais quando ouviram nada além do mais puro silêncio.
Talvez fosse seguro atravessá-lo agora. A superfície os clamava: manter-se por tanto tempo no subterrâneo trazia a agonia de guiar-se apenas pelos sons externos vindos de cima. Contudo, agora que havia justamente a ausência de qualquer barulho, como poderiam saber se era, afinal de contas, seguro sair?
— É a nossa chance — Salib parecia tentar encontrar suporte no semblante de Tzo. Como se precisassem tomar essa decisão juntos.
Sair imediatamente ou permanecer e esperar por mais tempo?
TZO BAKSHI
Uriel seguiu seus instintos. Imset soltou um bufo de desdém antes de deixá-la sozinha e seguir para o seu próprio caminho.
O minotauro, em passos extremamente largos, sumiu no final da rua rapidamente e Uriel viu-se sozinha naquele ambiente, contemplada apenas pela presença imponente da grande lua cheia mais acima. Algumas brisas passaram pelas aberturas na armadura de linho e trouxeram-na um desconforto conforme caminhava em direção à sua casa: o grupo residencial dos humanos não era um dos melhores, localizado numa das regiões mais caóticas de toda Okhemeq mas, devido às condições atuais, era aonde pelo menos ela conseguia ter um espaço seu.
Durante o trajeto, sua mente vagou entre aqueles conceitos ainda confusos. Rezas realizadas durante o período noturno, mais especificamente ainda quando noites como essa acontecem — nas palavras da mulher. Conforme passava por alguns templos erguidos em granito e casas construídas em xisto, era possível perceber uma drástica mudança nos arredores a partir do momento em que pequenas decorações e hieróglifos inscritos nas estruturas davam a simples barracos erguidos em terra com lama, arquiteturas bem estudadas foram sendo facilmente substituídas por obras em argila antiga e rachadiça, tudo num barro lamacento, escuro e extremamente rudimentar.
Era dessa maneira que Uriel sabia que havia chego, enfim, à sua zona residencial.
Uma ventania gélida cruzou rapidamente aquela rua decadente, bagunçando as mechas escuras da mulher e fazendo com que o linho de sua armadura bailasse por alguns instantes. De alguma forma, por mais que fosse um caminho já conhecido e extremamente rotineiro, era como se pequenos detalhes tivessem sido propositalmente mudados de lugar para que a Medjai percebesse pontos cegos no ambiente — de repente, foi como se a entrada de sua casa simplesmente parecesse errada, apesar de ser um sentimento que foi facilmente varrido assim como o amontoado de areia da rua levado pela forte brisa. Essa inconstâncias insustentáveis eram lentamente sendo construídas e desconstruídas, trazendo sensações estranhas, arrepios na espinha e apenas uma certeza:
Uriel queria rezar.
O barraco de argila era pequeno, com apenas três cômodos e extremamente desconfortável. Um quarto, uma área em que preparava alimentações e um lugar em que realizava suas necessidades antes de serem despejadas à rua como os demais da vizinhança faziam. Ali, Uriel encontrava o mais próximo a lar que conseguia: alguns papiros dados pelos próprios Medjais da época em que tinha tornado-se uma pertencente à guarda e deixado a vida enquanto hemu para trás. Algumas ferramentas básicas encontravam-se no mais próximo à cozinha que tinha presente. Mas não era nada disso que de fato chamava sua atenção.
E sim os símbolos cravejados na própria argila da parede em diferentes tons. Uriel lembrava-se de, no início, quando ainda visitava fantasias distantes em seus sonhos, desenhar esses sinais com o seu sangue para que ficassem, de certa maneira, eternizados. Contudo, sabia que não estavam como deveriam de fato ser: fosse pelo fato do sangue secar rapido demais e deixar apenas um rastro amarronzado para trás depois, o espaço também era pequeno e não havia nada nos papiros dos Medjais que ajudassem a decifrá-los. Hieróglifos iam muito além do que seu consciente estava tentando lhe dizer em meio àquelas entrelinhas.
Por uma fração de segundo, seu escudo de sílex pareceu certo empunhado em seu braço.
Uma sensação de familiaridade formigou seus pensamentos.
Talvez houvesse uma ligação. Escudos e símbolos estranhos. Naquela noite em específico, era como se esses detalhes tivessem se tornado tão claros que ignorá-los seria um crime: uma oportunidade perdida quando fosse dormir novamente e acordar para mais um dia numa realidade que não a contemplava. Algo a chamava para um destino além do que poderia enxergar — para isso precisava seguir seus instintos mais básicos. Como quando agiu por impulso para defender a aarakroca, uma lembrança forte em suas memórias.
O chamado foi feito. Ela sabia que precisava respondê-lo. Algo formigou nas suas memórias como uma faca incandescente derrete uma pedra no mais singelo toque, trazendo desconforto, abrindo passagem por uma solidez inteira de pensamentos robustos.
URIEL
Para Alhmet, uma surpresa. Após tanto planejamento, Katiwk preferia lidar com imprevistos do que concluir seu plano, e isso de certa forma fez com que o semblante do falcão ficasse mergulhado em puro espanto por alguns segundos. Naquela parte superior do palácio, agraciados apenas pela sutil iluminação lunar que caía-lhes como um delicado véu, Katiwk trajou sua máscara imersa em mana, modificando a texturização das penugens e transformando-a em algo mais próximo a um urso do que, de fato, uma ave.
— O que você acha que deu errado? — Interrogou o rubro.
Os uivos ampliaram-se exponencialmente.
O som de patas chocando-se contra a superfície de basalto tornou-se uma melodia assombrosa do que estava por vir. O vulto escalou rapidamente as paredes do palácio, debruçou-se em parapeitos nas janelas e realizou um salto sobre a dupla estagnada no cume da construção como uma sombra. Assim que seus pés encontraram o solo, levantou-se e sua forma transformou-se em algo mais palpável: a túnica em tons dourados e azuis encobria grande parte de seu corpo, os adornos okhérisos deixavam a marca registrada da Kemet em suas vestes de um guarda nobre. O chacriux observou a dupla de aarakrocas e mostrou sua arcada dentária, fitando-a com seus olhos estranhamente tomados por uma iluminação púrpura.
Alhmet empunhou sua espécie de tridente e colocou-se diante de Katiwk, apontando-a para o posterior oponente. O chacal, por outro lado, retirou de suas costas uma espécie de cetro com um semi-círculo cravejado em sua extremidade responsável por emanar a mesma coloração imbuída em seus orbes oculares. O canídeo não parecia disposto a dialogar: seja pelo seu estado de fúria atual ou não, o denominado como Máscara da Maldição logo percebeu que não conseguiria reagrupar-se com os demais rapidamente caso aquele obstáculo permanecesse em seu caminho.
— Invasores asquerosos… eu vou arrancar cada pena de vocês até que a carne saia junto! — Rosnou o chacal numa voz rouca e visivelmente alterada.
— Fique atrás de mim, Katiwk! — Alhmet espiralou seu tridente sobre a cabeça, farfalhando o ar antes de pará-lo e batê-lo contra o chão.
Ao longe, era possível ouvir mais alguns pios que pediam por reagrupamento: provavelmente outros guardas Chacriux haviam interceptado seus grupos. Em meio à sua planta perfeita de invasão, sabia que haviam mais alguns pontos seguros para que o terreno ficasse propício para ter brechas de entrada. Contudo, ia além de sua capacidade saber se estavam prontas ou não, portanto, as demais partes deveriam auxiliá-lo. Entretanto, agora que um imprevisto ocorrera, talvez fosse momento de repensar todos os pontos armados e… debandar?
Mas Katiwk sabia que aquela era uma chance única.
(?) CHACRIUX
HP (350/350)
ALHMET
Alhmet (400/400)
KATIWK
HP (250/250)
MANA (130/150)
ST (200/200)
MANA (130/150)
ST (200/200)
Fúria do Urso: 1 Turno
Do alto de sua arrogância, Leoster proferiu ordens que mais soavam como arautos do caos do que, de fato, servir de algum alicerce.
Mekhun recebeu toda aquela prepotência como de costume mantendo um olhar fixo aos próprios pés: sinal de devoção ao mesmo tempo em que demonstrava medo de observar seu superior diretamente nos olhos. No final das palavras do felino, observou-o de relance e assentiu com a cabeça, realizando um gesto com a mão por fim. Assim sendo, junto de um outro chacriux, retirou-se do salão de jantar tal como a grande maioria o fazia.
Os tabaxis, obviamente, foram os primeiros a serem evacuados. Levados a seus aposentos pelos chacriux que lentamente tomavam a linha de frente ao realizar patrulha pelo perímetro do palácio, os hemus presentes também tinham como função manter a segurança de seus superiores. Portanto, ainda que as garras dos tabaxis fossem afiadas como adagas perigosas, precisavam aguentar os arranhões em seus corpos quando precisavam puxá-los de seus esconderijos — majoritariamente debaixo de mesas de granito ou dentro de jarros de argila — para mantê-los seguros.
O tabaxi tinha certeza que, cedo ou tarde, os hemus apareceriam no lugar como bem fora mandado. Afinal, ordens dadas eram ordens acatadas.
Pela janela em que estava, conseguia ver parte da parte exterior do palácio abaixo: seus olhos púrpuros ganharam grande parte dos acontecimentos então — conseguiu ver o momento em que uma sombra alada caía de um dos telhados de granito próximos diretamente para o solo, tentando alçar vôo, mas falhando miseravelmente visto que uma dupla de chacriux havia o atingido ainda no ar. Cada um dos guardas tratou de abocanhar uma asa do aarakroca, reduzindo-o a um torso aviário que ganhou o chão num baque surdo antes de pousarem e erguê-lo ainda ensanguentado como uma captura bem realizada.
Mas logo as coisas foram tornando amplitudes cada vez mais preocupantes.
Do rasgo de ossos e cartilagem onde anteriormente haviam asas, saíam serpentes que enrolavam-se nos chacriux e faziam-nos dissolverem-se em ácido puro. Seus corpos corroídos soltavam nuvens de gases tóxicos onde anteriormente haviam cabeças de chacais e corpos musculosos tomados por pelos, até que, por fim, realizassem uma ampla mudança cromática: do verde para o azul amarelado, então para o púrpuro, introduzindo por fim ao rosa e vermelho. Leoster viu-se refém daquela vista, sem entender ao certo ou conseguir decifrar o que estava acontecendo: muito menos quando a noite estrelada, de supetão, transformou-se em dia num único piscar de olhos.
Ele percebeu que tudo estava diferente. Quanto mais olhava pela janela, mais tudo a ser observado tornava-se absurdo, imerso em violência e sangue, detalhes desconexos e uma grande claridade que, lentamente, afetava sua visão.
— Espero que tenha gostado da carpa, Senhor Leoster — a voz frágil de Nerphet surgiu detrás do felino despertando-o novas sensações ainda não saboreadas. O gosto do peixe com temperos distintos do comum veio à tona no mesmo instante em seu paladar. — Nós iremos tomar conta de você hoje, não se preocupe… estará em boas mãos, tudo bem? — Ao observá-la, haveria apenas a imagem de uma tabaxi ali, com bigodes e sobrancelhas grisalhas destoando-se do restante de sua pelugem castanho claro.
Leoster sentiu um enjôo. Algo lhe dizia que seus sentidos logo mais o deixariam para trás.
LEOSTER
HP (117/125)
MANA (200/200)
ST (100/100)
MANA (200/200)
ST (100/100)
Salib sorriu de maneira tão radiante que Tzo poderia jurar ter todos os seus problemas varridos naquele mesmo instante. No fundo, o sentimento de liberdade era o que os alicerçava um ao outro em meio às tormentas vividas em suas vidas até então que, no momento em que mais precisavam tolerá-las para que seguissem à recompensa eterna, também lhes castigava dia após dia. Serventia aos tabaxis não era algo lido como fácil: principalmente devido às suas específicas manias e detalhes que faziam-lhes passar pelas mais diversas humilhações.
— Tzo — engoliu a seco antes de prosseguir — tudo está planejado para hoje, irmão. Temi que talvez você ficasse para a servidão dos que restaram ao invés de seguir rumo à liberdade.
Do lado de fora, o som de pios com uivos se mesclavam numa melodia agonizante. Tzo sabia que os aposentos subterrâneos do Bastte possuíam diversas saídas para pontos distintos dentro dos próprios arredores da grande nobreza, e talvez fosse um plano desde o início para Salib que se encontrassem exatamente nesse mesmo ponto para que conseguissem arquitetar uma fuga perfeita. O homem bagunçou sua barba crespa antes de olhar para trás com certo receio: o alçapão sequer mexia. Sinal de que ninguém estava vindo. Ainda.
— Nós, hemus de Bastte, entramos num acordo com o grupo do Máscara da Maldição com uma condição. Eles ficam com o tesouro da família Aevum e nós com a nossa liberdade — um estrondo interrompeu a explicação de Salib. Sentiram quando algo chocou-se contra a parte superior de onde estavam, fazendo com que nuvens de poeira soltassem-se das frestas e caíssem como garoa sobre suas carecas. — Isso não foi ideia minha, nem pensar, mas sim de alguém muito mais próximo e que sabe de muitos mais segredos desse palácio do que eu ousaria me interessar.
Um estouro.
Ao longe, perceberam quando um alçapão havia sido arrombado: a luz da lua adentrou os aposentos subterrâneos antes de um trio invadi-lo da mesma forma. Uma mulher sem braço, trajada num kalisir branco explicitando suas partes íntimas cobertas por tecidos mais grossos: seus cabelos crespos encontravam-se presos em tranças adornadas em anéis dourados. Ao lado, uma criança com a parte esquerda do rosto encoberta pelo capuz negro de seu robe — ainda assim, era possível ver alguns vestígios de queimadura. Por fim, um homem de feição rabugenta, calvo e com o restante dos cabelos grisalhos.
— O que estão fazendo parados aqui esperando? — A mulher exasperou-se.
A criança choramingou.
— Eu ouvi os uivos dos chacriux, isso quer dizer que… — Salib foi interrompido.
— Quer dizer que os tabaxis estão derrubados. Veneno no banquete, não sei pelo quê e nem como, mas Nerphet deve ter feito um bom trabalho com essa gatarada do caralho — o mais velho rumou em passos brutos para encurtar a distância entre si e os irmãos. Agora, mais de perto, era possível noticiar as rugas abaixo dos seus olhos. — Mas nada saiu como o planejado. Existe um traidor, alguém dedurou o plano e colocou chacriux extras para patrulhar.
— Mekhun? — Salib interrogou.
— Esse daí é o pior de todos. Colocou porção extra para que aquele tabaxi velho comesse — a mulher brincou com uma de suas tranças enquanto mantinha um olho cuidadoso sobre o pequeno menino que, a todo custo, tentava esconder a marca de queimadura no rosto. — Também foi quem selou o acordo com os rapinas.
— De toda forma, precisamos sair logo pelo portão, os demais devem vir depois. Sigam o que nós planejamos durante todos esses sóis — Salib comentou.
Em consequência, o grupo de humanos seguiu pelos aposentos subterrâneos, entrando por galerias desconhecidas e caminhos tomados por pertences antigos dos ancestrais tabaxis. O caminho foi feito de maneira tranquila: ainda que o nervosismo fosse presente apenas por desafiarem a grande lei máxima de servidão enquanto hemus, a mulher — denominada Yefret — deixava pequenos grãos de arroz para trás para que os outros humanos que viessem soubessem qual caminho realizar. Enquanto isso, o grisalho, Aqhe, continuava a conversar sobre o plano com Salib mais à frente. O menino, por sua vez, mantinha-se em profundo silêncio, apenas brincando com a costura de seu robe negro.
Estavam próximos do alçapão que dava aos portões principais quando ouviram nada além do mais puro silêncio.
Talvez fosse seguro atravessá-lo agora. A superfície os clamava: manter-se por tanto tempo no subterrâneo trazia a agonia de guiar-se apenas pelos sons externos vindos de cima. Contudo, agora que havia justamente a ausência de qualquer barulho, como poderiam saber se era, afinal de contas, seguro sair?
— É a nossa chance — Salib parecia tentar encontrar suporte no semblante de Tzo. Como se precisassem tomar essa decisão juntos.
Sair imediatamente ou permanecer e esperar por mais tempo?
TZO BAKSHI
HP (250/250)
MANA (150/150)
ST (150/150)
MANA (150/150)
ST (150/150)
Uriel seguiu seus instintos. Imset soltou um bufo de desdém antes de deixá-la sozinha e seguir para o seu próprio caminho.
O minotauro, em passos extremamente largos, sumiu no final da rua rapidamente e Uriel viu-se sozinha naquele ambiente, contemplada apenas pela presença imponente da grande lua cheia mais acima. Algumas brisas passaram pelas aberturas na armadura de linho e trouxeram-na um desconforto conforme caminhava em direção à sua casa: o grupo residencial dos humanos não era um dos melhores, localizado numa das regiões mais caóticas de toda Okhemeq mas, devido às condições atuais, era aonde pelo menos ela conseguia ter um espaço seu.
Durante o trajeto, sua mente vagou entre aqueles conceitos ainda confusos. Rezas realizadas durante o período noturno, mais especificamente ainda quando noites como essa acontecem — nas palavras da mulher. Conforme passava por alguns templos erguidos em granito e casas construídas em xisto, era possível perceber uma drástica mudança nos arredores a partir do momento em que pequenas decorações e hieróglifos inscritos nas estruturas davam a simples barracos erguidos em terra com lama, arquiteturas bem estudadas foram sendo facilmente substituídas por obras em argila antiga e rachadiça, tudo num barro lamacento, escuro e extremamente rudimentar.
Era dessa maneira que Uriel sabia que havia chego, enfim, à sua zona residencial.
Uma ventania gélida cruzou rapidamente aquela rua decadente, bagunçando as mechas escuras da mulher e fazendo com que o linho de sua armadura bailasse por alguns instantes. De alguma forma, por mais que fosse um caminho já conhecido e extremamente rotineiro, era como se pequenos detalhes tivessem sido propositalmente mudados de lugar para que a Medjai percebesse pontos cegos no ambiente — de repente, foi como se a entrada de sua casa simplesmente parecesse errada, apesar de ser um sentimento que foi facilmente varrido assim como o amontoado de areia da rua levado pela forte brisa. Essa inconstâncias insustentáveis eram lentamente sendo construídas e desconstruídas, trazendo sensações estranhas, arrepios na espinha e apenas uma certeza:
Uriel queria rezar.
O barraco de argila era pequeno, com apenas três cômodos e extremamente desconfortável. Um quarto, uma área em que preparava alimentações e um lugar em que realizava suas necessidades antes de serem despejadas à rua como os demais da vizinhança faziam. Ali, Uriel encontrava o mais próximo a lar que conseguia: alguns papiros dados pelos próprios Medjais da época em que tinha tornado-se uma pertencente à guarda e deixado a vida enquanto hemu para trás. Algumas ferramentas básicas encontravam-se no mais próximo à cozinha que tinha presente. Mas não era nada disso que de fato chamava sua atenção.
E sim os símbolos cravejados na própria argila da parede em diferentes tons. Uriel lembrava-se de, no início, quando ainda visitava fantasias distantes em seus sonhos, desenhar esses sinais com o seu sangue para que ficassem, de certa maneira, eternizados. Contudo, sabia que não estavam como deveriam de fato ser: fosse pelo fato do sangue secar rapido demais e deixar apenas um rastro amarronzado para trás depois, o espaço também era pequeno e não havia nada nos papiros dos Medjais que ajudassem a decifrá-los. Hieróglifos iam muito além do que seu consciente estava tentando lhe dizer em meio àquelas entrelinhas.
Por uma fração de segundo, seu escudo de sílex pareceu certo empunhado em seu braço.
Uma sensação de familiaridade formigou seus pensamentos.
Talvez houvesse uma ligação. Escudos e símbolos estranhos. Naquela noite em específico, era como se esses detalhes tivessem se tornado tão claros que ignorá-los seria um crime: uma oportunidade perdida quando fosse dormir novamente e acordar para mais um dia numa realidade que não a contemplava. Algo a chamava para um destino além do que poderia enxergar — para isso precisava seguir seus instintos mais básicos. Como quando agiu por impulso para defender a aarakroca, uma lembrança forte em suas memórias.
O chamado foi feito. Ela sabia que precisava respondê-lo. Algo formigou nas suas memórias como uma faca incandescente derrete uma pedra no mais singelo toque, trazendo desconforto, abrindo passagem por uma solidez inteira de pensamentos robustos.
URIEL
HP (312/312)
MANA (50/50)
ST (175/175)
MANA (50/50)
ST (175/175)
- Spoiler:
- Mais uma vez, não revisei 100%.
Qualquer dúvida é só me chamar.
— ’as rapinas: é como podem se referir ao grupo do máscara da maldição — katiwk — por enquanto.
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Re: [CO] Maquinações Áridas Contra o Tempo
Qui Out 08, 2020 12:24 am
E u mal pude acreditar quando Salib revelou-me os detalhes dos planos de meus companheiros hemus. Imaginar que estive varrendo, limpando e organizando coisas durante todos esses dias enquanto ele cuidava de tudo junto aos outros fez com que me sentisse um tanto impotente. De qualquer forma, meu corpo que clamava todos os dias por algo além, se limitando a aproveitar das tarefas diárias como exercício, estava agora em plena forma para ser valioso e relevante em nossa fuga.
Eu ainda estava assimilando a chuva de informações que caíra sobre mim, mas cada vez mais aquela decisão me soava como a coisa correta a se fazer, fosse por mim, por meu irmão ou pelos demais envolvidos. Uma árdua vida de servidão não devia ser o preço a ser pago para que supostamente tenhamos conforto após a morte.
Com a chegada do trio que não podia nem de longe ser considerado apto para um confronto, via que talvez minha presença e de Salib no Bastte poderia realmente ter um... propósito maior. Sozinhos, o velho, a criança e a mulher jamais teriam chances caso fossem interceptados, mas em nossa companhia haviam esperanças para sua liberdade.
Apenas uma coisa me preocupava quando chegamos ao alçapão: o silêncio total.
Por exceção de nossas próprias respirações, nada podia ser ouvido ali. O exterior daquela passagem permanecia calado e misterioso, nos convidando a sair do subterrâneo o quanto antes. Com o olhar de Salib direcionado a mim, como se pedisse meu consentimento, acabei por me sentir um tanto receoso com o peso da decisão sobre meus ombros. Lembrei-me dos Medjai nos prendendo quando menores e imaginei qual seria a sentença dos Kenbets para nós dessa vez. Algo pior que a morte? Sabia que eles eram capazes.
Olhei então para a tímida criança escondendo sua queimadura, depois para o membro decepado de Yefret e em seguida para o estado de Aqhe após uma árdua vida de servidão. Isso tem que acabar, foi o pensamento formulado em minha mente. Eu não era mais um adolescente, poderia tentar lidar junto ao meu irmão com algum Medjai que aparecesse em nosso caminho, mas o que me preocupava eram os Chacriux.
Por trás de todo aquele silêncio além do alçapão, estariam nos esperando? Meus instintos corporais pareciam quererem gritar por precaução, e mesmo sem entender muito bem essas sensações, decidi as ouvir.
— Yefret, me perdoe por isso — desculpei-me enquanto começava a despir-me da simplória vestimenta superior de linho, ficando com o tronco desnudo. — Salib, irmão, abra o alçapão e jogue isso — entreguei em suas mãos a veste desgastada.
Ele parecia entender.
Caso houvesse algo nos esperando à espreita, teríamos ao menos um segundo até que desviassem sua atenção da roupa e voltassem os olhos para nós. Se Salib e eu não perdemos o ritmo após tantos anos, apenas com um olhar saberíamos então o que fazer diante do que o destino possa nos ter reservado para essa ocasião.
Posicionei-me ao lado dele, com o cabo de madeira em mãos e apontado para cima. Em guarda, sentia-me como se dois opostos dentro de mim brigassem para ter espaço. De um lado, sensações leves, de confiança, convicção e esperança. Do outro, sentimentos pesados de temor, incerteza e ansiedade.
Inspirei profundamente e exalei o ar em seguida. Precisava me acalmar e fazer com que essas manifestações do meu corpo se... equilibrassem?
Eu ainda estava assimilando a chuva de informações que caíra sobre mim, mas cada vez mais aquela decisão me soava como a coisa correta a se fazer, fosse por mim, por meu irmão ou pelos demais envolvidos. Uma árdua vida de servidão não devia ser o preço a ser pago para que supostamente tenhamos conforto após a morte.
Com a chegada do trio que não podia nem de longe ser considerado apto para um confronto, via que talvez minha presença e de Salib no Bastte poderia realmente ter um... propósito maior. Sozinhos, o velho, a criança e a mulher jamais teriam chances caso fossem interceptados, mas em nossa companhia haviam esperanças para sua liberdade.
Apenas uma coisa me preocupava quando chegamos ao alçapão: o silêncio total.
Por exceção de nossas próprias respirações, nada podia ser ouvido ali. O exterior daquela passagem permanecia calado e misterioso, nos convidando a sair do subterrâneo o quanto antes. Com o olhar de Salib direcionado a mim, como se pedisse meu consentimento, acabei por me sentir um tanto receoso com o peso da decisão sobre meus ombros. Lembrei-me dos Medjai nos prendendo quando menores e imaginei qual seria a sentença dos Kenbets para nós dessa vez. Algo pior que a morte? Sabia que eles eram capazes.
Olhei então para a tímida criança escondendo sua queimadura, depois para o membro decepado de Yefret e em seguida para o estado de Aqhe após uma árdua vida de servidão. Isso tem que acabar, foi o pensamento formulado em minha mente. Eu não era mais um adolescente, poderia tentar lidar junto ao meu irmão com algum Medjai que aparecesse em nosso caminho, mas o que me preocupava eram os Chacriux.
Por trás de todo aquele silêncio além do alçapão, estariam nos esperando? Meus instintos corporais pareciam quererem gritar por precaução, e mesmo sem entender muito bem essas sensações, decidi as ouvir.
— Yefret, me perdoe por isso — desculpei-me enquanto começava a despir-me da simplória vestimenta superior de linho, ficando com o tronco desnudo. — Salib, irmão, abra o alçapão e jogue isso — entreguei em suas mãos a veste desgastada.
Ele parecia entender.
Caso houvesse algo nos esperando à espreita, teríamos ao menos um segundo até que desviassem sua atenção da roupa e voltassem os olhos para nós. Se Salib e eu não perdemos o ritmo após tantos anos, apenas com um olhar saberíamos então o que fazer diante do que o destino possa nos ter reservado para essa ocasião.
Posicionei-me ao lado dele, com o cabo de madeira em mãos e apontado para cima. Em guarda, sentia-me como se dois opostos dentro de mim brigassem para ter espaço. De um lado, sensações leves, de confiança, convicção e esperança. Do outro, sentimentos pesados de temor, incerteza e ansiedade.
Inspirei profundamente e exalei o ar em seguida. Precisava me acalmar e fazer com que essas manifestações do meu corpo se... equilibrassem?
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Re: [CO] Maquinações Áridas Contra o Tempo
Dom Out 11, 2020 2:25 pm
A noite parecia tranquila, como qualquer outra noite de um humano livre nas terras áridas de Okhemeq. Um sorriso amarelo invadiu meu rosto quando fitei o lugar em que vivia. As condições podiam parecer insuportáveis para alguns, mas para mim era como o abraço de uma mãe. O barraco de 3 cômodos era meu palacete próprio, visto que eu não precisava viver em calabouços ou porões úmidos dos castelos daqueles bestiais... "O que? De onde...?", a palavra simplesmente desaparecera de meus pensamentos tão rápido quanto as pensei. "Ferais..."
Fitei os símbolos diferentões em minhas paredes, o sangue seco de tonalidade marrom dava-os um aspecto macabro e misterioso. Além disso, eu não encontrava tais símbolos em lugar algum dos poucos papiros que estavam em minhas mãos, mas eu sabia do que se tratavam. Algo em mim sabia, obviamente. Runas. Em um trecho de um antigo pergaminho que encontrei em documentações dos medjais dizia que os hieróglifos e uma escrita antiga, chamada rúnica, compartilhavam alguns conceitos. Runas pareciam tão...
Meus olhos estavam pesando, visto que eu estava cansada de um dia inteiro de trabalho, mas minha mente queria ir além. Senti o escudo em meu braço esquerdo pesar, mas era bom. Ele pareceu completamente correto em mim, mesmo que apenas por alguns instantes. Levei os joelhos ao chão e baixei a cabeça, fechando os olhos e concentrando-me. Meu coração pedia por alívio de todos aqueles pensamentos, aquela falta de inclusão. Eu queria não sentir desconforto ao estar perto dos ferais, mas como? Por que eu questionava o fato de ter salvado uma aarakroca, mesmo sendo esta uma memória sólida em minha mente? Por que ser livre não me deixava feliz como eu deveria estar?
— O que é isso? Por que me sinto assim? — as lágrimas rolavam pelo meu rosto — Eu preciso de um motivo, uma razão, um caminho iluminado para entender o que se passa em minha mente! Por que eu sinto essa necessidade de conversar com algo que eu não faço ideia do que seja? — lembranças confusas invadiram minha mente e eu balancei a cabeça, tentando me concentrar, então uma imagem formou-se em minha mente.
— Ankh...
O hieróglifo tomou conta de minha mente junto a uma imagem que lembrava ser um chacriux. O ankh estampado na testa da criatura também flutuava sobre suas mãos, segurando um coração de um lado, e algo que parecia ser uma folha. Um escaravelho alado surgia, como um guia para o chacriux, enquanto uma caveira de algo desconhecido jazia abaixo do canídeo. Desconcertada, levantei-me com certa dificuldade, parecia que tal vislumbre tirara minhas forças.
Todos aqueles símbolos eu conhecia, mas meus papiros traziam poucas informações sobre eles, exceto o escaravelho. De acordo com os papiros medjais, o escaravelho alado era a representação da proteção contra males e renovação das energias vitais e espirituais do ser. Além disso, o escaravelho era associado à expressão kheter, que siginifica "vir a existência", sendo assim, um símbolo de conquistas pessoais.
Eu estava deveras confusa, minha mente pesava com tanta informação assim do nada, como que eu iria descobrir algo sobre aqueles símbolos? Mesmo sendo uma humana livre eu ainda era bem descreditada pelo simples fato de ser humana. "Que merda.", pensei. Contudo, eu precisava tentar encontrar respostas para aquelas perguntas, minha mente não descansaria se eu não soubesse exatamente o que era aquilo e talvez alguém pudesse me ajudar com aqueles hieróglifos. Sem hesitar, deixei minha residência em busca de respostas.
Fitei os símbolos diferentões em minhas paredes, o sangue seco de tonalidade marrom dava-os um aspecto macabro e misterioso. Além disso, eu não encontrava tais símbolos em lugar algum dos poucos papiros que estavam em minhas mãos, mas eu sabia do que se tratavam. Algo em mim sabia, obviamente. Runas. Em um trecho de um antigo pergaminho que encontrei em documentações dos medjais dizia que os hieróglifos e uma escrita antiga, chamada rúnica, compartilhavam alguns conceitos. Runas pareciam tão...
Meus olhos estavam pesando, visto que eu estava cansada de um dia inteiro de trabalho, mas minha mente queria ir além. Senti o escudo em meu braço esquerdo pesar, mas era bom. Ele pareceu completamente correto em mim, mesmo que apenas por alguns instantes. Levei os joelhos ao chão e baixei a cabeça, fechando os olhos e concentrando-me. Meu coração pedia por alívio de todos aqueles pensamentos, aquela falta de inclusão. Eu queria não sentir desconforto ao estar perto dos ferais, mas como? Por que eu questionava o fato de ter salvado uma aarakroca, mesmo sendo esta uma memória sólida em minha mente? Por que ser livre não me deixava feliz como eu deveria estar?
— O que é isso? Por que me sinto assim? — as lágrimas rolavam pelo meu rosto — Eu preciso de um motivo, uma razão, um caminho iluminado para entender o que se passa em minha mente! Por que eu sinto essa necessidade de conversar com algo que eu não faço ideia do que seja? — lembranças confusas invadiram minha mente e eu balancei a cabeça, tentando me concentrar, então uma imagem formou-se em minha mente.
— Ankh...
O hieróglifo tomou conta de minha mente junto a uma imagem que lembrava ser um chacriux. O ankh estampado na testa da criatura também flutuava sobre suas mãos, segurando um coração de um lado, e algo que parecia ser uma folha. Um escaravelho alado surgia, como um guia para o chacriux, enquanto uma caveira de algo desconhecido jazia abaixo do canídeo. Desconcertada, levantei-me com certa dificuldade, parecia que tal vislumbre tirara minhas forças.
Todos aqueles símbolos eu conhecia, mas meus papiros traziam poucas informações sobre eles, exceto o escaravelho. De acordo com os papiros medjais, o escaravelho alado era a representação da proteção contra males e renovação das energias vitais e espirituais do ser. Além disso, o escaravelho era associado à expressão kheter, que siginifica "vir a existência", sendo assim, um símbolo de conquistas pessoais.
Eu estava deveras confusa, minha mente pesava com tanta informação assim do nada, como que eu iria descobrir algo sobre aqueles símbolos? Mesmo sendo uma humana livre eu ainda era bem descreditada pelo simples fato de ser humana. "Que merda.", pensei. Contudo, eu precisava tentar encontrar respostas para aquelas perguntas, minha mente não descansaria se eu não soubesse exatamente o que era aquilo e talvez alguém pudesse me ajudar com aqueles hieróglifos. Sem hesitar, deixei minha residência em busca de respostas.
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Katiwk
Dom Out 11, 2020 7:06 pm
— Não faço a mínima ideia. — Respondi à pergunta de Alhmet e notei que o uivos ficaram mais fortes. Algo estava se aproximando. — Fique alerta!
Não demorou muito até surgir diante de nós aquela figura cuja reputação sempre impunha temor. Seus dentes nos ameaçavam e aquele tom roxo em seu olhar era um tanto preocupante. Neste exato momento, nosso plano estava no pior dos cenários. A presença dos cachorros era o que precisávamos ter evitado. Ainda mais devido a esses uivos irritantes que alertam demais.
Alhmet tomou a dianteira e ficou em postura de ataque. Por um segundo, senti o extinto de querer partir para cima do vira-lata, mas eu estava sendo… protegido? Olhei para as minhas garras e senti falta de algo. Eu ainda podia ouvir os pios do bando e os uivos. Tudo misturado numa sinfonia do caos.
“Covarde”
Foi rápido. Senti como se algo sussurrasse em meus ouvidos. "Tão cedo me importunando".
Eu precisava pensar em algo logo. Haviam outras entradas que poderíamos utilizar para não deixar o plano ser em vão. Mas eu não sabia qual era a situação dos outros grupos ou se sequer as outras entradas estavam seguras.
“Alhmet será destroçado”
Os pios do bando e os uivos dos cachorros pareciam agulhas sendo cravadas em meu crânio. A melhor ideia agora seria a gente reagrupar. Isolados, seríamos presas mais fáceis para esses merdas. Além disso, eu precisava da mente de Abadi ao meu lado.
— Alhmet, eu lutarei ao seu lado. — Saí de trás do aarakroca e fiquei lado a lado com ele. — Você sabe que não sou o tipo de líder que gosta de assistir.
Eu não tinha uma arma, mas tinha meus punhos e o maldito urso.
Não demorou muito até surgir diante de nós aquela figura cuja reputação sempre impunha temor. Seus dentes nos ameaçavam e aquele tom roxo em seu olhar era um tanto preocupante. Neste exato momento, nosso plano estava no pior dos cenários. A presença dos cachorros era o que precisávamos ter evitado. Ainda mais devido a esses uivos irritantes que alertam demais.
Alhmet tomou a dianteira e ficou em postura de ataque. Por um segundo, senti o extinto de querer partir para cima do vira-lata, mas eu estava sendo… protegido? Olhei para as minhas garras e senti falta de algo. Eu ainda podia ouvir os pios do bando e os uivos. Tudo misturado numa sinfonia do caos.
“Covarde”
Foi rápido. Senti como se algo sussurrasse em meus ouvidos. "Tão cedo me importunando".
Eu precisava pensar em algo logo. Haviam outras entradas que poderíamos utilizar para não deixar o plano ser em vão. Mas eu não sabia qual era a situação dos outros grupos ou se sequer as outras entradas estavam seguras.
“Alhmet será destroçado”
Os pios do bando e os uivos dos cachorros pareciam agulhas sendo cravadas em meu crânio. A melhor ideia agora seria a gente reagrupar. Isolados, seríamos presas mais fáceis para esses merdas. Além disso, eu precisava da mente de Abadi ao meu lado.
— Alhmet, eu lutarei ao seu lado. — Saí de trás do aarakroca e fiquei lado a lado com ele. — Você sabe que não sou o tipo de líder que gosta de assistir.
Eu não tinha uma arma, mas tinha meus punhos e o maldito urso.
- Ações:
- 1ª. Máscara do Urso. Tentar stunnar o chacriux.
2ª. Meter um soco/chute focando nas patas inferiores dele- Máscara do Urso Pardo:
- Máscara do Urso Pardo
Nível: 1
Custo: 20 de mana + (10 de estamina)
Dano Base: 15
Descrição: A máscara de osso é envolta pela mana do usuário e muda seu formato se tornando uma máscara de cor parda e formato de urso.
O próximo ataque básico será fortalecido e causará o status Stun no alvo por 1 ação.
A máscara permanece no usuário até ser Absorvida. Quanto mais tempo a máscara permanecer em uso, a característica principal do animal começará a atuar no usuário. A Máscara do Urso Pardo cria o status Fúria do Urso que aumenta a cada turno.
Mesmo com a máscara em uso, para aplicar os efeitos ainda faz-se necessário pagar o custo de mana.
Absorver: Com um custo adicional de estamina, a máscara é consumida aumentando a Força do usuário em 10% por 1 turno. Quando a máscara é absorvida, os efeitos psicológicos do animal são resetados.
Stun: O alvo fica atordoado e impossibilitado de executar alguma ação.
Fúria do Urso: O usuário começa a se despreocupar com a própria segurança ao focar em ataques de forma furiosa. Em graus elevados, não será capaz de diferenciar aliado de inimigo.
Efeitos: Stun, aumento de Força.
chansudesu, Leoster e Tzo gostam desta mensagem
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