[CL] Etéreo

E u não era o tipo de homem que entregava meus pensamentos a boatos e especulações, então nunca acreditei de fato na profecia por nunca ter ouvido a respeito de sua existência diretamente da boca de alguém sábio como o Mestre Ma'ren. Contudo, se ele me questionava a respeito dela... significava que realmente havia um conjunto de palavras capaz de descrever acontecimentos futuros?

— Perdão, Mestre, mas até este momento eu achava que se tratava de apenas um conto. Talvez, na verdade eu houvesse preferido pensar assim, evitando pensamentos acerca daquele que um dia fora um irmão, e agora era considerado o traidor de nossa fé.

— Ora, e pode realmente ser... Ponderava com os olhos distantes, ambas as orbes perdidas dentro de uma demasiada quantia de pele que se rendera diante do passar dos anos. — Mas nunca podemos duvidar do poder de uma boa história, quanto menos o de uma profecia.

Novas brisas tocaram nossos rostos, tornando a conversa ainda mais leve e aconchegante. De longe eu não podia considerar-me alguém com bom raciocínio, mas até mesmo para aqueles menos afortunados acerca dos âmbitos da mente, ouvir as ponderações e conselhos do Mestre fazia com que nos sentissemos abraçados e acolhidos por sua grande sabedoria.

Quando os ventos partiram mais uma vez, ele removeu das vestes um pequeno pedaço de papiro enrolado, ofertando-o a mim. Com cuidado, recebi em minhas mãos ásperas o pergaminho, desenrolando-o para checar seu conteúdo.


Ele refletiu por longos minutos enquanto eu realizava a leitura, parecendo querer encontrar alguma resposta concreta que até então não fora achada por entre o jogo de palavras. Havia mesmo algo que Mestre Ma'ren não conseguisse compreender?

— D-desculpe-me, Mestre, mas não sou capaz de entender o que diz a-aqui... Notei certa dificuldade em minha garganta para reproduzir as palavras.

— Não se preocupe, jovem Bakshi. Nenhum dos poucos que a leram também conseguiram interpretar algo assertivo. Palavras, embora sejam uma de minhas coisas preferidas, podem ser um tanto traiçoeiras quando possuem significados ambíguos.

Fiz menção de devolver o pequeno papiro, mas ele retesou meu movimento, fechando sua palma sobre as costas da minha de modo a indicar que eu guardasse o pergaminho comigo. Neste breve contato, o tremor que meus dedos reproduziam cessou.

— Talvez a solução para grandes enigmas não estejam em grandes mentes, mas sim naquelas que conseguem enxergar as coisas de forma um pouco mais... simples, eu diria.

Tentei absorver seu conselho, mas a verdade era que eu havia condicionado meu corpo a bloquear assuntos e pensamentos a respeito do Herético há anos atrás. Era um tema que, mesmo após tanto tempo, ainda abatia meu espírito e fazia com que meu equilíbrio se desestabilizasse.

Para o bem de meu controle interior, uma nova brisa apresentou-se, chamando a atenção de Mestre Ma'ren para algo. Ele girou seu pescoço para a esquerda e eu pude perceber um breve espasmo no canto de seus lábios, como um sinal de preocupação.

— Agradeço a companhia, jovem Bakshi, mas agora é melhor que se dirija até a grande escadaria.

E então, apenas dois segundos após, pedidos de socorro em tom de urgência cortaram ao meio todo o silêncio do pátio principal.

— Utilizado: 1 Informação referente ao sorteio.
— Pendentes: 1 Informação e 10 de Ouro.
— Peço por gentileza avaliação a respeito da interação com o Mestre Ma'ren, pois no próximo post já não manterei a conversa com ele, dando início a narrativa da nova situação. Obrigadinho.

N ão conseguia recordar a última vez em que uma situação ao menos parecida com aquela ocorreu desde que eu estava ali. No início da escadaria, metros abaixo, era possível ver uma poça de sangue formando-se sob os pés de dois Acólitos que carregavam um terceiro, este um Monge, sem uma das pernas.

O sangue em meu corpo de átimo esquentou.

Larguei meu bastão e impulsionei meu corpo para a frente, descendo os degraus às pressas visando socorrer meus companheiros. Tão logo me aproximei, o que mais me chocou não fora a visão daquele com a perna violentamente amputada, mas o terror nos olhos do Acólito mais novo. Estava em estado de choque e não havia duvidas de que só andara até ali por mera locomoção instintiva e automática do corpo.

— Ff-f... F-foi muito rápid-do... Ele tentava falar algo, mas sua garganta o traía a cada tentativa.

— Deixem que eu o levo. Era visível que não teriam forças para carregar o semi-inconsciente ferido dado o estado de ambos.

Segurei-o em meus braços e superei os cem degraus o mais rápido que pude o fazer com a adrenalina do momento, chegando por fim exausto no topo - Knoe pesava aproximadamente vinte quilos a menos que eu, então não fora nada fácil realizar tal feito.

O pátio principal já estava abarrotado de homens que também deveriam ter ouvido os pedidos de socorro. Os que eram versados em magia de recuperação se aproximaram rapidamente, analisando a situação e conversando entre si a respeito das melhores medidas a serem tomadas.

— O que aconteceu? Onde estão os outros? Questionava um deles.

Ambos os que trouxeram o Monge Knoe finalmente chegaram até nós, os olhares vazios e desesperados, transpassando tudo, menos qualquer sinal de equilíbrio. Quando pressionados pelos demais que logo os cercaram com perguntas - permitindo-me inclusive descobrir que eram um quarteto quando saíram -, o que não estava tão atônito começou a falar desenfreadamente e com a voz esganiçada.

— ELE ERA GIGANTE! Ele... E-le, ele esmagou o irmão Mikkel COM UMA MÃO! A MÃO... EU NÃO PUDE FA-FAZER NADA, EU J-JU-JURO QUE TENTEI! EU JURO!

Todos começaram a se entreolhar, tentando ligar as confusas informações que o Acólito contava em desespero. Ele também disse algo a respeito de um olho grande e repetiu por várias vezes que o que quer que seja que tenha os atacado, era muito maior que um ser humano.

Ambos foram levados para dentro com intuito de se acalmarem e serem melhor ouvidos pelos mais sábios enquanto, tristemente, os que prestavam os primeiros socorros ao Monge Knoe balançavam suas cabeças em sinal negativo, anunciando desapontados que o ferido não sobrevivera.

Só então percebi que meu corpo e vestes estavam repletos de sangue por tê-lo carregado. Senti um há muito esquecido gosto amargo na boca e recordei-me imediatamente dele. Se chamava decepção, e quase sempre aparecia misturado com a tristeza. Faziam anos que meu paladar não os sentia, mas naquela tarde, passaram a me abraçar novamente como um velho amigo.

O desequilíbrio também não tardou em chegar.

— Utilizado: 1 Informação referente ao sorteio.
— Pendente: 10 de Ouro.

F oi decidido que os rituais de despedida em homenagem a partida do Monge Knoe seriam realizados na tarde seguinte, logo após a meditação para a ordem, ao meio-dia. Ele morrera cumprindo seu propósito para com o bem maior, então era certo que seu espírito encontrava-se em preservado e também ansioso para a reencarnação, onde novamente teria a oportunidade de servir à Balança.

É dito que os que partem em desgraça também podem reencarnar, mas não retornarão como humanos, podendo até mesmo nascer - de acordo com o nível de sua heresia - como a criatura que matara dois dos quatro que partiram rumo as cordilheiras.

Já era noite quando consegui remover todas as manchas de sangue do meu corpo e lavar minhas vestes, substituindo-as por outras. No momento, encontro-me sentado no último degrau da grande escadaria, no topo, próximo aonde Knoe nos deixara. Mesmo na posição de lótus, com os olhos fechados, continuo sendo fustigado pela visão dos olhos aterrorizados dos dois sobreviventes.

O amargo em meu paladar não se esvai, por mais que eu tente adoçá-lo com boas memórias e lutar para entrar em real meditação, conforme conseguira fazer por alguns instantes hoje mais cedo no alto daquele cume. Invés de momentos bons, são lembranças melancólicas que tomam espaço em minha mente.

— Nem ordem, nem caos. O peso nos dois lados da balança devem ser iguais. O equilíbrio deve reinar. Repetia na tentativa de tentar alinhar-me internamente, mas sem sucesso.

Ouvi a risada de dois pré-adolescentes correndo juntos, não... fugindo de algo juntos e entendi sem dificuldades que eram grandes amigos. Passaram anos da vida lado a lado, cuidando um do outro e escondendo-se do perigo. Meros soldados iniciantes da Altaguarda não eram capazes de alcançá-los devido ao peso de suas armaduras, e os dois amigos, não... os dois irmãos aproveitam disso para os despistar.

Tão logo as risadas vieram, foram embora sendo substituídas por batidas secas e frias numa parede. Um homem vencido pelo tempo, maltratado pela eterna espera, aparentando muito mais idade do que de fato tinha. O quão mal o peso da eternidade pode fazer a alguém? Quanto tempo dura a eternidade?

Dezesseis anos.

Dezesseis anos em celas escuras aguardando a oportunidade de reaver seu irmão querido, embora ela nunca parecesse próxima de chegar. O amargo no paladar se intensifica, o misto de tristeza e decepção apresentando-se por meio de um sabor que nenhuma boca gostaria de experimentar.

— Nem ordem, nem caos. O peso nos dois lados da balança devem ser iguais. O equilíbrio deve reinar.

Luz.

Os olhos que acostumaram-se somente com o sombrio finalmente se readaptavam ao sol. O anseio pelo reencontro, a chance de estar próximo daquele que era tido como sua única família. Em um monastério, local de paz e cercado por um ambiente perfeito para que os melhores dos sentimentos despertem, o homem que tanto esperou percebe que seu irmão destruíra a única chance de se encontrarem novamente. O jovem que conheceu, não... o jovem que conheci já não era mais o mesmo.

Foram meses até conseguir digerir a informação e entender minha nova realidade, tardando mais três anos para finalmente aceitá-la como meu novo propósito de vida. Eu sou o agente do equilíbrio, e sei que mesmo durante a tormenta, nuances da harmonia podem ser detectadas.


Em momentos como este, a linha de divisão torna-se confusa e você sente-se como se houvesse perdido seu rumo, perdido o seu caminho e a direção na qual ir. Os ensinamentos ouvidos por anos ecoam em sua mente, como mantras repelindo a força com maior poderio, diminuindo-a para que a outra cresça e entrem em perfeito posicionamento novamente.

Não é uma tarefa fácil. Lutamos veemente contra a desordem espiritual justamente por sabermos o quão penoso pode ser reconstituir o alinhamento depois de perdido. Há quem precisou de um minuto, quem precisou de 1 mês, e há também quem nunca conseguiu o restabelecer.

Os sinos menores ressonaram, indicando estarmos próximos da meia-noite, com apenas duas horas a antecedendo. Assim que a meditação dedicada ao caos se iniciasse, eu teria que estar pronto. Minha balança interior deveria portar o mesmo peso em seus dois lados, ou eu falharia em meu objetivo.

Minha fraqueza não poderia culminar na perdição daqueles que ainda não entendiam sua salvação. Eles precisavam de mim, e eu precisava cumprir meu dever para com o propósito maior.

— Nem ordem, nem caos. O peso nos dois lados da balança devem ser iguais. O equilíbrio deve reinar.

— Pendente: 20 de Ouro - 2 Missões.